O Binómio Cidade-Campo na Obra de Terrence Malick: Parte 2 – “A Árvore da Vida”

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“A Árvore da Vida” e o Percorrer do Caminho

Devo confessar que começar esta segunda parte da análise do Binómio Cidade-Campo em “A Árvore da Vida” se mostrou um processo mais complicado do que esperava, uma vez que, para mim, esta obra não consiste tanto num filme, mas antes numa experiência cinematográfica. Tal particularidade, torna difícil passar sentimentos e emoções para palavras, no entanto, se Terrence Malick o conseguiu fazer através de imagens, talvez também eu possa ser bem-sucedida.

O filme, cujas rodagens começaram em 2008, tendo estreado apenas em 2011 no festival de Cannes (onde arrecadou a Palma de Ouro) aborda, através de uma narrativa fragmentada, temas universais como o luto, a saudade, a busca humana pelo sentido da vida e a religião. Esta obra tem como protagonista Jack, numa fase pré-adolescente, que vive com os pais e irmãos mais novos no Texas, nos anos 50, e, anos mais tarde, na fase adulta, quando enfrenta uma crise existencial espoletada pela morte não superada do irmão. Tal como em “O Novo Mundo”, também esta sinopse deixa de fora muitas questões, mas creio que numa obra megalómana como esta é necessário ser-se conciso e focarmo-nos apenas no essencial, neste caso, as personagens.

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Tal como o triângulo Pocahontas-Rolfe-Smith, também “A Árvore da Vida” apresenta três figuras principais com filosofias muito diferentes. Num extremo, temos a Mrs. O’Brien, rodeada de uma aura positiva e, em muitos momentos, quase mística (note-se que o retrato dos pais é apresentado na perspetiva do filho), e, no outro, a figura paterna, tirânica, impondo limites à liberdade de todos os elementos do agregado familiar. Jack, encontra-se no meio. No meio do conflito dos pais e envolto no seu próprio conflito interior. Num dos seus mais claros voice-overs, este afirma: “Pai. Mãe. Sempre lutaram dentro de mim. Sempre lutarão”.

Para explicitar em que ponto do espectro da proximidade ou afastamento à Natureza estão as personagens, apresento uma citação da mãe: “O Homem pode seguir dois caminhos na sua vida. O caminho da natureza e o caminho da graça. Temos de escolher aquele que seguiremos. A graça não procura agradar-se a si própria, aceita ser desprezada, esquecida, rejeitada. Aceita insultos e injúrias. A natureza apenas quer agradar-se a si própria. E que os outros lhe agradem também. Trata os outros com arrogância. Tem os seus próprios desígnios. Encontra razões para ser infeliz quando o mundo inteiro brilha ao seu redor e o amor sorri através de todas as coisas. Ensinaram-nos que ninguém que escolha o caminho da graça terá um final infeliz”.

De facto, a graça identifica-se com a mãe, já a natureza com o pai. Neste ponto, é importante salientar que natureza ou o caminho da natureza não se refere a um modo de vida natural oposto ao da vida mundana (conceitos-base da minha análise), mas sim a um modo animalesco e instintivo. Nesta conceção, a graça inicia-se na natureza, como se se tratasse do crescimento de uma criança que começa com um comportamento egoísta, o qual vai abandonando à medida que adquire conhecimentos e estabelece relações no seio de uma sociedade, tornando-se altruísta. Logo, é preciso percorrer o caminho da natureza para alcançar a graça (e é esta a questão fundamental que abordarei mais à frente). No que diz respeito ao caminho da graça, ele envolve aceitação, humildade e um sentimento de comunitarismo. Aqui, o Homem não é indivíduo, antes reconhece-se como pertencente a algo maior do que ele próprio: o Cosmos. Esta filosofia permite-lhe usufruir de tudo o que o rodeia e ser feliz, aceitando o seu destino.

Por outro lado, o caminho da natureza, representado pelo pai, é egoísta e arrogante. Dominado pelo instinto da sobrevivência e da força, o indivíduo não perde tempo a olhar à sua volta, pois está focado em si mesmo. Quem escolhe o caminho da natureza desenvolve comportamentos autodestrutivos, pois não consegue alcançar a plenitude.

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O céu refletindo-se harmonicamente nas janelas dos prédios.

A questão levantada em “A Árvore da Vida” adensa-se, pois apesar de serem feitas associações no que respeita ao binómio cidade-campo, estes dois modos de vida encontram-se em constante transformação. Assim, também as personagens-tipo mencionadas, Mr. e Mrs. O’Brien, em determinados momentos, questionam as suas escolhas e agem de forma contrária à doutrina que advogam. A mãe põe as suas crenças em causa após a morte do filho [“Ele sempre esteve nas mãos de Deus, não esteve? A minha esperança… o meu Deus (…) o que ganhaste?”], bem como o Pai (“Nunca tive a oportunidade para lhe dizer como lamentava. Uma noite ele deu um soco na própria cara, sem nenhum motivo. Estava sentado ao meu lado, no piano, e eu critiquei a forma como ele mudava as páginas. Fi-lo sentir vergonha. A minha vergonha. Pobre rapaz”).

De facto, ao contrário do sucedido em “O Novo Mundo”, aqui os limites entre “cidade” e “campo” esbatem-se e passam para um lugar secundário. As personagens modificam-se e todas percorrem o mesmo caminho, encontrando-se apenas em diferentes fases deste. A mãe está mais perto da graça e da união com a Natureza, personificando a harmonia entre todos os seres e o equilíbrio, enquanto o pai está ainda no início da sua jornada que progressivamente o afastará de comportamentos autodestrutivos. Por sua vez, Jack está no limbo e se na infância tendia mais para o caminho na Graça, seguindo o exemplo da mãe, na idade adulta aparenta estar desligado do mundo e inquieto. Não é por acaso que a maior parte das intervenções por voice-over desta personagem são perguntas. Jack vive assombrado, olhando à sua volta, mas não conseguindo observar a magnitude do que o rodeia. Sente-se aprisionado pela cidade e os altos prédios que tapam o céu, mas, sobretudo, pela prisão emocional em que se colocou. Apesar de, mais uma vez, emoções como o desespero e a revolta estarem associados à cidade e às vivências de Jack, associar esta personagem ao modo de vida citadino seria cair em erro, uma vez que este se encontra a meio da sua jornada (ou, quem sabe, no início).

No final, após um longo processo catártico e de reconstituição da infância por parte de Jack, o realizador dá-nos pistas de que este talvez consiga finalmente alcançar a paz que procura. Pela primeira vez, as janelas dos prédios refletem o céu. Esta imagem basta para assegurar ao espectador de que talvez Jack esteja no bom caminho. Natureza e graça, cidade e campo, passado-presente-futuro em pleno equilíbrio.

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