O cinema desde sempre se interessou por falar de si próprio. Ver-se ao espelho através de imagens em movimento. O grande exemplo notório do público em geral é “Cinema Paraíso” (1989) de Guiseppe Tornatore. Uma referência basilar e evidente, ou não fosse este um filme que homenageia o próprio cinema, despertando as memórias da infância do espectador. “Crepúsculo dos Deuses” (1950), “Serenata à Chuva” (1952), “Pela Primeira Vez” (1967), “A Morte do Cinema” (2003), “Cinema Mágico” (2004), “La Morte Rouge” (2006), “As Praias de Agnès” (2008), “Shirin” (2008), “A Invenção de Hugo” (2011) e “O Artista” (2011), são outros exemplos que prestam homenagem ao próprio cinema. O que estes filmes têm em comum é que falam do cinema (da sua origem e não só) e de certa forma o homenageiam. Falam do velho cinema, de um cinema ainda com película, da transição do mudo para o sonoro e das memórias desse cinema.
O Cinema visto pela Fotografia – Hiroshi Sugimoto
Na fotografia, o cinema, também tem sido uma referência constante. Destaco aqui o fotógrafo japonês Hiroshi Sugimoto. Nascido em Tóquio em 1948, o fotógrafo passa o tempo entre Tóquio (Japão) e Nova Iorque (EUA). A sua obra é composta por várias séries, tendo cada uma um tema distinto, com atributos semelhantes. “Seascapes” é outra das suas séries mais conhecidas, fotografias de paisagem que consistiu em fotografar o mar, criando uma estética própria de relação de espiritualidade do fotógrafo com as visões do mar.
Sugimoto documentou entre os anos 1976 e 1999, nos EUA, 96 imagens, a preto e branco, de cinemas antigos e drive-ins (cinemas ao ar livre) que podem ser vistas no livro “Theatres”. A ideia para este projeto surge no momento em que Sugimoto está a ver um filme numa sala de cinema e se questiona, “e se pudesse fotografar um filme inteiro num único fotograma?”. A resposta foi imediata para o autor, “obtém-se uma tela brilhante”. Sugimoto usou então uma câmara de grande formato, 4×5 e um tripé. O seu método é simples. Consistia em abrir o obturador pouco antes da ‘primeira luz’ atingir a tela e fecha-lo após os créditos finais passarem e antes das luzes da sala se acenderem. Assim, pode usar o filme projetado na tela, como a sua única fonte de luz, para iluminar todo o interior (tetos, paredes laterais e cadeiras).

A imagem a ser aqui analisada é a “Movie Theatre, Canton Aplaque, Ohio” (1980). Esta imagem foi tirada em 1980 no interior de uma sala de cinema de Ohio, é uma fotografia de arquitetura que captura a tela no centro do enquadramento. Sugimoto usa o plano geral, para revelar a ilustre sala e todos os detalhes arquitectónicos e as esculturas trabalhadas. O facto de a única fonte de luz para a fotografia ser a tela brilhante, cria bastante grão, dando textura à imagem. É criado também um jogo de luzes, entre o claro e o escuro, sendo que a única mancha de luz branca é a da tela e o chão do palco. O filme que é projectado na tela faz com que crie na sala uma iluminação difusa, sendo suficiente para dar a conhecer os pormenores do tecto e das paredes. Tudo isto pode parecer simples, mas na verdade, é mais do que isso. A ausência do ser humano na fotografia cria, portanto, uma evidente crítica à sociedade consumista. Não fosse este um trabalho baseado na arte conceptual. Ou seja, a ideia ou o conceito é o aspecto mais importante da obra, sendo a execução um aspecto secundário.
O enquadramento é pensado para ter a tela no centro da imagem, criando uma perspectiva do espetador, que está sentado na sala. A ideia que passa também, é a de uma sala imponente, de proporções épicas. É interessante que toda a imagem é visualmente ‘barulhenta’, ou seja, com tanto pormenor e detalhe das esculturas e da arquitetura, o nosso olhar tenta ‘fugir’ para um ambiente mais ‘calmo’ e ‘limpo’, para a tela branca. De seguida regressa ao caos, para analisar cada pormenor em detalhe, voltando a descansar na tela. Quanto ao punctum, o detalhe, (o que fere), será as estrelinhas do teto que brilham (à esquerda e à direita), dando a ideia de céu noturno.
O resultado final da fotografia é incrível. A sala de cinema, que aparenta ser um cenário bastante cinematográfico, lembra também um palácio. No final o que fica é a luz branca, o sonho. É a experiência cinematográfica.
Outro fotógrafo que tem dedicado a sua vida à procura das antigas salas de cinema, é o americano Matt Lambros, que tem vindo a fazer uma viagem pelos Estados Unidos da América à procura de grandes salas de cinema abandonadas.