“Vivam no momento, aproveitem o dia. Tornem as vossas vidas extraordinárias.” Esta é uma das muitas mensagens de “O Clube dos Poetas Mortos” (“Dead Poets Society”, 1989), o filme que nos obriga a viajar entre extremos emocionais, que nos preenche e parte o coração com uma brutalidade desmedida, realizado por Peter Weir e escrito por Tom Schulman.
A narrativa remete para os finais da década de 1950, desenvolvendo-se em torno de um grupo de rapazes que estudam num colégio interno masculino em Vermont. Marcado por normas como a tradição, a honra e a disciplina, uma herança de prestígio, o colégio prepara-se para iniciar um novo ano letivo, acolhendo John Keating (Robin Williams), ex-aluno, como o novo professor de Inglês. Contrariamente ao esperado, os métodos de ensino de Keating são o oposto dos métodos impostos, fomentando a liberdade artística e o pensamento, o que acaba por conquistar um grupo particular dos seus alunos, destacando-se Neil Perry (Robert Sean Leonard) e Todd Anderson (Ethan Hawke).
Estes dois em particular têm personalidades opostas que acabam por se completar. Algumas pessoas estão tão presas ao chão que precisam de algo que as ajude a voar alto, acreditando firmemente que não o conseguem fazer. Essa ajuda não precisa necessariamente de ser um par de asas, pode apenas ser um empurrão que nos liberte do julgamento alheio, que nos faça arriscar quando ainda temos tempo de o fazer. Indivíduos como o Todd são assim. Extremamente introvertidos ao ponto de serem quase mudos, mas que com o incentivo e ambiente certos demonstram uma criatividade fenomenal. É só subirem para uma mesa e verem o mundo de uma perspetiva diferente. Outras pessoas já se assemelham mais a uma bola de espelhos, como é o caso do Neil. Extrovertidas e empáticas por natureza, elas refletem luz para toda a gente, acabando por não seguir a que está dentro delas. Nesse aspeto, essa negação permite que se fragmentem em mil pedaços sem que os outros se apercebam do vazio que existe dentro delas. Os estilhaços representam a dificuldade em encontrar-se a si próprias, em escolher que caminho seguir, embora saibam bem o que querem. Perante estas personalidades e as dos restantes, que sentem e vivem tudo de uma forma muito intensa, o professor rapidamente percebe que tem vários desafios pela frente.
A certa altura, o grupo acaba por descobrir que a personagem de Williams pertenceu – enquanto jovem – a uma sociedade secreta apelidada “o Clube dos Poetas Mortos”, que se reunia para discutir poemas e respetivos autores, o que os leva a fazer o mesmo. Influenciado pelas aulas, o fascínio pelo mundo das artes vai-se auto-afirmando cada vez mais, sobretudo em Neil, cuja paixão pelo teatro o leva a ir contra o autoritarismo do pai. Todd, por sua vez, com a ajuda de Keating, que testa a sua coragem de uma forma ousada ao permitir que este, através do improviso, perceba o seu grande potencial, vai encontrando a sua própria vocação. Este impacto é visível ao longo do filme. Numa primeira fase quase não se dá por ele, todavia no final a grande voz da rebelião contra o conformismo é a sua.
Algo a ter em conta é o uso da vela, especificamente o contraste entre o que esta significa e o que representa. Tanto no título da narrativa como nas primeiras cenas, a vela é um símbolo presente e que naturalmente associamos ao iluminismo, à razão, ao conhecimento. Tal como nós pensamos assim, também os professores do colégio o fizeram, fazendo questão que, a certa altura durante a primeira apresentação, os alunos iluminassem as suas. Um adulto acendia a vela de um aluno, que por sua vez partilhava a sua chama com o objetivo de iluminar a vela do colega, e assim sucessivamente. Metaforicamente, estamos perante a partilha do conhecimento. Na prática, este não é estimulante, limitando-se à rigidez das matemáticas, das ciências ou do latim. O objetivo é formar homens de excelência, ligados a profissões de prestígio para a época, que pensem todos da mesma forma. No entanto, quando Keating entra em cena, a primeira coisa que faz é mandar os alunos rasgar a introdução do manual. Esta só por si era extremamente limitadora, conduzindo-os a considerarem um poema como bom apenas se este seguisse não só a estrutura indicada, como as centenas de regras utópicas que estavam escritas. Aqui, encontramos um paralelismo com a cena inicial. O professor é o primeiro a ir buscar o caixote do lixo para que os alunos possam deitar fora as suas folhas. Este passa de mão em mão sucessivamente, tal como a partilha das chamas, com as folhas a acumularem dentro dele. Com esta cena percebemos que há um corte com a tradição em prol do progresso, que vai haver uma mudança no conceito de conhecimento, e que o verdadeiro, que se baseia no espírito crítico, vai começar.
O filme inteiro é repleto de mensagens e lições morais, alimentadas pelo tom romântico de Williams, que nos fazem questionar por completo os nossos objetivos de vida. A própria luta de John contra o conservadorismo da escola reflete o preço que pagamos pelas nossas ações, independentemente do quão boas as intenções possam ser. A certa altura, o professor é confrontado por outro em relação aos seus métodos de ensino, nomeadamente ao facto de este estar a iludir um conjunto de jovens com sonhos que, na realidade em que vivem, são difíceis – senão impossíveis – de concretizar a longo prazo. Embora fossem vítimas do rigor e da inflexibilidade, os alunos estavam previamente programados para aceitar o destino que lhes foi imposto, e como tal, o pragmatismo evitava que se desiludissem. No entanto, mesmo que o seu objetivo fosse mostrar, apesar das dificuldades, a importância de mantermos firmes as nossas convicções, não obstante da diversidade do pensamento que nos rodeia, só apenas no fim, Keating sente na pele a crueldade das palavras. Todas as escolhas têm consequências e o final é a prova disso.
Terão sido as lições do professor mal interpretadas ou o desfecho foi um ato de rebelião contra o determinismo? Por um lado, a primeira hipótese não deixa de fazer sentido se tivermos em conta que todo o trabalho que Keating teve em demonstrar o quão importante as artes, assim como os sentimentos, são essenciais à vida, foi em vão. A pressão foi tal que abalou as convicções, tal como os argumentos utilizados para fundamentar, ao longo de toda a narrativa, a necessidade de viver conforme a nossa própria vontade. Por outro lado, a segunda também acaba por ser plausível, e pode até a invalidar a primeira, se utilizarmos uma perspetiva mais filosófica. A decisão de Neil pode ser vista como um assimilar de alguns dos ensinamentos do professor que acabaram por ser elevados a um extremo. Este estava a ser determinado pelas vontades do pai que convergiram com a influência que recebia de meios opostos. A associação entre o meio com que mais se identificava, altamente influenciado por John, juntamente com o seu sonho em ser ator, pode explicar a sua reação, assim como a possibilidade de esta ser vista como uma afirmação final da sua liberdade e das suas crenças. A sua atitude pode significar um corte com as convicções do pai, assim como com a honra da família por se recusar a seguir a profissão que lhe foi imposta. Pode significar uma espécie de afirmação pessoal, embora macabra, que só foi possível por este ter tido a coragem de se ouvir a si próprio e de se sentir realizado após estar presente na peça de teatro. Arriscou e acabou por se libertar, ainda que no pior dos sentidos.
Independentemente da resposta a estas questões, o final é repleto de uma teatralidade devastadora, alvo de debate entre a crítica. Os que o contestam, consideram-no demasiado propositado ou até mesmo artificial. No entanto, apesar da amargura do desfecho, não deixamos de sentir um certo calor no coração quando Todd desencadeia uma homenagem emotiva a Keating- “Oh captain, my captain” – que se tornou numa referência no cinema. Esta última cena, com cores mais quentes do que as que a antecederam, dá uma réstia de esperança não só a público, como ao próprio professor, ao perceber que o seu esforço não foi um fracasso. Ele fez a diferença e vê-se no rosto de Williams, cuja versatilidade como ator não deixa de surpreender, o orgulho que sente pelos alunos.
Por fim, utilizo como exemplo as palavras de Keating, “words and ideas can change the world”, palavras e ideais conseguem mudar o mundo, para evidenciar que este filme não passa de uma prova disso mesmo.