Numa altura de controvérsia com a ascensão do streaming e com as grandes produtoras a sentirem-se ameaçadas com a cultura de um novo cinema, de um novo mundo de consumismo cinematográfico “descartável, fácil e que não estimula”, muitas figuras da indústria não poupam nas críticas a este problema em infinita ebulição.
É o caso recente de Steven Spielberg, que está contra o facto de filmes da Netflix concorrem aos Óscares, defendendo que esta nova forma de fazer cinema “destrói a magia”. Películas que são sujeitas a regras mais restritivas, para poderem concorrer em igualdade de circunstâncias com os filmes dos estúdios, crescem e ganham força. É o caso mais paradigmático de “Roma”, produto de um serviço de streaming que diz que ama o cinema e que não minimiza a arte.
Se é verdade que Cannes e Veneza, sobretudo o festival francês, recorde-se, manteve-se fiel à ideia clássica de cinefilia – e às exigências dos distribuidores e exibidores nacionais – continua a privilegiar a sala de cinema como palco natural da Sétima Arte, a batalha passou agora para o outro lado do Atlântico: a Amazon já não vai produzir os novos filmes de Woody Allen, também contra esta nova tendência, numa altura de fricção e celeuma das grandes instâncias.
Ana Fernandes, cronista do Observador, vai mais longe, num artigo recente (“Consumismo cinematográfico”): “não estaremos a perder a magia do cinema? E o gosto pelos clássicos que notoriamente influenciaram os filmes que vemos hoje em dia? Estamos a consumir cinema como se de “fast food” se tratasse. É com algum desgosto que constato que actualmente o cinema não está feito para ser visto, mas sim para ser consumido”.
Numa altura em que em vez de falar de filmes, do seu conteúdo, de tudo aquilo que envolve a beleza da sétima arte, a preocupação e o deslumbramento sem propósito recente vai para a forma de fazer cinema. Como se filmes não fossem filmes, desde que sejam bons, deveria ser irrelevante a entidade, o que está por detrás. A verdadeira magia do cinema faz-se pelos filmes, pelo seu impacto, pela sua história, pelo que transmite. Se estamos no início de uma revolução de plataformas, que vai permitir mais gente ver e propagar a febre dos filmes, porque não?
Neste prisma, as principais fontes de streaming atuais reagiram em coro na índole da mensagem: “adoramos o cinema. Outras coisas que adoramos: [permitir] o acesso a pessoas que nem sempre podem pagar [um bilhete de cinema], ou que vivem em cidades sem cinemas; permitir a todos, e em todos os lugares, desfrutar do acesso às estreias ao mesmo tempo; dar aos realizadores mais caminhos para partilharem a sua arte. E estas coisas não são mutuamente exclusivas”. É mesmo isto. O que importa é expandir a mensagem, proporcionar mais conteúdo, elevar o cinema ao seu patamar eterno, a mais gente, porque, no fundo, o cinemas faz-se de pessoas e do público – e, sem ele, (e não se pode ignorar isto), o cinema não é nada.
A título de desfecho, a cronista, enaltecendo tudo aquilo que nunca é demais frisar e salientar na magia da sétima arte, no apogeu intelectual que esta vertente artística proporciona, na lufada de ar fresco humano que é o cinema, diz: “cinema é arte – a sétima arte. É, na sua etimologia, a arte de fixar imagens em movimento. É a magia do audiovisual, é acreditar no que se vê, é saborear cada frase, cada paisagem, é odiar o vilão como se fosse nosso inimigo, é amar o protagonista como se da nossa vida se tratasse. Ver um filme é apreciar a obra no seu todo, conhecendo, ainda assim, a sua singularidade. É, no fundo, ser parte integrante da história, do início ao fim”. É por isto que vale a pena sonhar com um amanhã onde o cinema, a inclusão, a projecção de novas tendências, o aceitar que um novo cinema nasceu está para ficar, tudo pelo público, para nascermos e crescermos a adorar cada vez mais a sétima arte.
Juntos. Pois só assim faz sentido fazer cinema.