Cinema em crise em Portugal: conjuntura ou tendência?
Alguns dados recentes demonstram que a exibição de cinema em sala perdeu um quinto de espectadores e receitas até fevereiro. Mais concretamente, a quebra na exibição em sala foi de 21,3% em espectadores e receitas de bilheteira em janeiro e fevereiro, revelou esta sexta-feira o Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA). Ainda a realçar que este ano as salas tiveram menos 540 mil espectadores do que em igual período de 2018, para um total de dois milhões de espectadores, e uma quebra de três milhões de euros nas receitas de bilheteira, para um valor de 10,7 milhões.
Quanto à dimensão de espectadores no mês de fevereiro, é de frisar que o filme mais visto na 3.ª semana do mês nas salas foi “Alita: Anjo de Combate”, com um total de 67 mil espectadores. Para além disso, em 2018, o filme de animação “The Incredibles 2: Os super-heróis”, de Brad Bird, foi o mais visto de pelos portugueses, com 605 mil espectadores e 3,1 milhões de euros de receita de bilheteira.
Numa perspectiva anual, as salas de cinema portuguesas perderam quase um milhão de espectadores em 2018, quando comparado ao ano anterior. Relativamente às receitas na bilheteira houve uma quebra de 3,3 milhões em relação a 2017 e quanto a vendas de bilheteira, a receita bruta desceu 4%, de 81,6 milhões de euros em 2017 para 78,3 milhões de euros em 2018.
De enaltecer também que nestes dois meses estiveram em sala dez filmes portugueses ou com coprodução nacional, totalizando 63.734 espectadores e 316 mil euros de receita. Ressalve-se ainda que tanto na exibição como na distribuição cinematográfica, a empresa NOS continua a ser líder em Portugal, com 61,9% e 65,4% de quota de mercado, respetivamente.
Diogo Cavaleiro, cronista do Jornal de Negócios, a respeito desta nova conjuntura, disse: “o guião não é difícil de escrever. O cenário é um país em crise. As personagens são famílias com menos dinheiro para consumir e empresas que fecham salas de cinema porque há menos espectadores. A pirataria online também entra no enredo. Não são precisas legendas para se analisar o sector, que se resume em menos espectadores e menos receitas”. E neste prisma menos próspero, conclui: “o cinema é um filme com cada vez menos espectadores. E que dá cada vez menos proveitos”
Com efeito, João Lopes, um dos maiores críticos de cinema em Portugal, no seguimento deste debate, salientou: “isto é uma perda enorme”, referindo-se ao que entende ser a “desvalorização do cinema como arte específica”, a “contaminação da imprensa pelos valores tablóides”, ou o desaparecimento de publicações cinéfilas. João Lopes, 64 anos, não tem problemas em assumir-se como “um céptico”.
Numa altura em o cinema parece cada vez mais descartável, com quedas de audiências progressivamente maiores, o crítico quis ainda acrescentar a seguinte ideia: “a generalização de formas como o vídeo e o DVD provocou uma certa banalização. Na minha geração, a relação com o cinema fazia-se, sobretudo, através da sala — uma experiência única, que seria importante não perder em termos culturais. A evolução que se verificou foi paralela a uma involução na crítica. Desde logo, devido à diminuição do espaço que lhe é dedicado. Na presente conjuntura, acabou por aparecer um tipo de texto que, na melhor das hipóteses, é uma informação. Ocorreu uma desvalorização do trabalho crítico. Um segundo aspecto tem a ver com a internet: um caldeirão onde cabe tudo, com predominância dos discursos impressionistas, sem memória histórica”.
Deste modo, e evocando pressupostos culturais por detrás desta direcção menos positiva do cinema em Portugal, destacou: “representa uma enorme perda cultural, que se traduz na desvalorização do cinema como arte específica, essencialmente devido à ligeireza na forma de o encarar. Infelizmente, hoje, muita gente vai ao cinema como se estivesse, simplesmente, a prolongar o seu espaço na sala de estar de casa. Muitos espectadores ignoram, verdadeiramente, o prazer de ver cinema”.
O crítico não quis, no entanto, fechar a sua intervenção sem antes explicar o que é que o “empurrou” para o cinema, exclamando com felicidade: “há sempre uma dimensão de fascínio, que não se explica muito por factores racionais. Em criança, era o puro deslumbramento. Daí, também, o valorizar tanto a sala escura. Depois, na adolescência, começa a perceber-se que as imagens se relacionam umas com as outras, gerando um acontecimento. Isso é absolutamente fascinante. Tanto mais que não há alternativa. Um ensaio sobre um filme nunca pode substituir o próprio filme”.
Assim, e numa altura em que o cinema está em queda no que às salas de cinema diz respeito, peguemos e agarremo-nos a esse deslumbramento que está dentro de nós, em busca de um paraíso perdido, mas recuperável. Está tudo nas nossas mãos.