Depois de a realizadora Nadine Labaki ter sido escolhida para presidir ao júri no “Un Certain Regard”, um programa em paralelo ao Festival de Cannes, e numa altura em que tem recebido imenso reconhecimento, numa entrevista recente, a realizadora admitiu, a respeito do seu passado e daquilo que a motivou a seguir o mundo da sétima arte: “na minha infância, ficávamos por casa, não podíamos sair, brincar, não podíamos experienciar verdadeiramente a vida como devíamos. Ou seja, a televisão começou a ter um papel muito importante na minha vida: ver filmes permitiu-me escapar da minha própria existência e infância”.
Abordando uma questão fraturante, salientou o que a motiva a contar uma história: “comecei a querer fazer parte deste mundo, a querer criar histórias que me permitissem escapar e viver a vida de outras pessoas. Talvez porque eu queria escapar da minha própria realidade”. Explicou, ainda, de que forma é que cada processo nasce na sua cabeça e começa a fazer sentido: “normalmente o que vem primeiro é o tema, antes de tudo. Antes da história, da caracterização, é uma obsessão do momento, que começa a ser recorrente, a vontade de falar de algo tão específico. E depois torna-se numa história, numa necessidade”.
Segundo ela, e a respeito da essência paradoxal de uma obra-prima cinematográfica, “o objetivo passa por perceber, na caracterização, porque é que isto é tão contraditório, entre o que a personagem quer ser, o que aspira a ser e o que ela se permite ser. Devido à pressão social, à forma como as pessoas te vêem, etc”. Admitiu, também, o impacto involuntário, e por vezes inconsciente, que o mundo exterior consegue ter, indiretamente, nas suas criações: “ao ficar fascinada com algumas personalidades, percebo depois que fui de facto inspirada por elas, por uma pessoa que eu conheço, sem o saber, enquanto escrevo o guião: às vezes começo a imaginar uma personagem, mas tu não sabes de facto que a estás a criar a partir das tuas próprias experiências passadas, das pessoas que tu conheces”.
A título de desfecho, enfatizou aquilo que a motiva a sair da sua zona de conforto intelectual e a ir mais além, transcendendo as suas fronteiras de pensamento e a olhar para o mundo com outra profundidade: “às vezes eu escrevo coisas como uma espécie de terapia: para mim é como querer sair de mim para entender a vida e depois regressar. E depois sigo em frente”. É essa capacidade de seguir em frente que permite aos grandes artistas chegar ao coração de todos, através de uma resiliência que ultrapassa marés e quebra todas as barreiras, medos e receios, rumo ao propósito fundamental: fazer cinema, com arte e, sobretudo, com o coração.