“O Rei Leão”, longa-metragem de 1994 produzida pela Disney e realizada por Roger Allers e Rob Minkoff, é sem dúvida um dos filmes mais celebrados de sempre. Fora aclamado pela crítica, que louvara o argumento, os temas explorados, a música e a qualidade da animação. Fora aclamado pelos espectadores, que o viram e reviram em salas de cinema por todo o mundo, fazendo do filme o mais visto de 1994 (à frente de títulos como “Forrest Gump”, “Quatro Casamentos e Um Funeral” ou “Entrevista Com o Vampiro”). E, por fim, fora aclamado pela Academia, que lhe atribuiu dois Óscares: Melhor Banda Sonora Original (composta por Hans Zimmer) e Melhor Canção Original (“Can You Feel the Love Tonight” de Elton John).
Vinte cinco anos volvidos, toda esta estima pelo filme permanece inalterada. “O Rei Leão” é hoje um clássico da animação – e talvez mesmo um clássico do cinema. Ora todo este amor pelo filme complicaria qualquer tentativa de criar uma nova versão. “Desaconselhável” diria qualquer pessoa, não? Não de acordo com Jon Favreau. O realizador de filmes como “Elf – O Falso Duende” (2003) e “Iron Man” (2008) foi ao baú da Disney, pegou na sua maior obra e decidiu refazê-la – com bons e maus resultados.
Vamos directos ao assunto: este remake pouco tem de original. É um facto. A trama é igual, sem tirar nem pôr. As mesmas personagens, as mesmas falas, as mesmas canções, as mesmas cenas – até os planos são idênticos! Se há algo que não se pode acusar este remake é de não ser fiel ao filme original – o que não é um elogio. O apelo à nostalgia é de tal forma óbvio que acaba por sacrificar o espírito e emoção da versão original. A oportunidade estava lá, de se reimaginar aquele reino fantástico, de acrescentar um toque contemporâneo ao material de origem. Nesse aspecto, Favreau contentou-se com reciclar o que já fora feito – e mais bem feito. Quem conta um conto acrescenta um ponto? Não foi o caso.
Posto isto, qual é o problema de ser um remake? Não são também remakes alguns dos melhores filmes dos últimos anos? Dois grandes exemplos são o “Ocean’s Eleven” (2001) de Steven Soderbergh e o “True Grit” (2010) dos irmãos Coen. Uma coisa é criticar um filme por ser um mau remake – justo. Outra é criticá-lo pelo simples facto de ser um remake. Esqueçamos por um momento o filme de 1994. Imaginemos agora um filme povoado de animais majestosos como leões, zebras e flamingos. Um filme que os observa de muito perto, como um documentário não conseguiria. Uma experiência única, que nem um safari em África proporcionaria, acompanhada de imagens impressionantes, de cortar a respiração. Este filme é “O Rei Leão” de 2019. E entre isto e os blockbusters ignorantes que oferecem 150 minutos de lutas em CGI, a escolha não é difícil.
O director de fotografia Caleb Deschanel – septuagenário nomeado seis vezes ao Óscar de Melhor Cinematografia – trabalhou de perto com a equipa de efeitos visuais liderada por Robert Legato para criar o aspecto fotorrealista do filme. Legato já trabalhara com James Cameron em “Titanic” (1997) e com Martin Scorsese em “Hugo” (2011), vencendo o Óscar de Melhores Efeitos Visuais em ambas as ocasiões. O resultado final é arrebatador. Ninguém diria que as imagens exibidas na tela são na verdade geradas por computador, de tão realistas os animais e de tão belas as paisagens. Os gráficos são de um realismo tal que envolvem o espectador por completo. É também evidente o cuidado com cada gesto de cada animal, espelho dos movimentos dos animais verdadeiros. São estes visuais espantosos que comprovam que o filme de 2019 está mais próximo de um episódio super-realista da BBC Vida Selvagem, do que de um remake do filme de 1994.
Efeitos visuais à parte, o filme apresenta outras qualidades que merecem menção. O elenco contou com as vozes de John Oliver (Zazu), Seth Rogen (Pumbaa), Billy Eichner (Timon), entre outros. Saliento estes três por se destacarem do restante elenco por milhas, sobretudo Rogen e Eichner que irradiam uma química única – bastante ausente no casal interpretado por Donald Glover e Beyoncé. Por falar na cantora, foi bem-vinda a adição de uma nova canção à banda sonora, “Spirit”, escrita, produzida e cantada pela artista. Fica porém a questão do porquê de apenas uma canção, dado o enorme talento à disposição e a miríade de canções que Beyoncé compusera a propósito do filme.
Refazer “O Rei Leão” seria sempre um assunto delicado – talvez até um projecto desnecessário. Com recurso a tecnologia de ponta, este remake é uma proeza técnica e uma obra visual revolucionária. Porém, os visuais vieram às custas do sentimento do filme original. As emoções são trocadas por realismo neste filme que mais parece um documentário da National Geographic – actualmente detida pela Disney, curiosamente. Este remake é como uma paixoneta de liceu: pode ser muito bonito, mas as aparências não são tudo.
Realização: Jon Favreau
Argumento: Jeff Nathanson, Brenda Chapman
Elenco: Donald Glover, Beyoncé, Seth Rogen
EUA/2019 – Animação
Sinopse: Simba é um jovem leão cujo destino é tornar-se o rei da selva. Tudo corre bem, até ao dia em que uma grande tragédia se abate sobre o seu mundo e altera o seu destino. A nova versão de um clássico dos desenhos animados que marcou a década de 1990 e as gerações seguintes de pais e filhos.