Homenageado no ano passado pelo Festival de Berlim com o Urso de Ouro pelo conjunto de seus filmes, Willem Dafoe é um dos atores mais versáteis da história de Hollywood.
Já interpretou Jesus Cristo numa longa de 1988, de Martin Scorsese, entrou em filmes de culto como “Platoon”, entrou na pele de Max Schreck, ator do “Nosferatu”, de Murnau, já foi o vilão Duende Verde do “Homem-Aranha” (2002), emprestou a sua voz para a animação “À Procura de Nemo”, participou em três filmes de Wes Anderson, entre outros vários personagens.
Não é à toa que, aos 63 anos, Dafoe interpreta agora vigorosamente um homem que morreu aos 37 anos de idade: o pintor holandês Vincent Van Gogh, no que pode ser o maior papel da sua vida.
“À Porta da Eternidade”, do realizador norte-americano Julian Schnabel, chegou às salas de cinema portuguesas na passada quinta-feira (31). Pelo filme, Dafoe foi indicado pela primeira vez ao prémio de melhor actor nos Óscares 2019.
Van Gogh, falecido em 1890, já foi maravilhosamente interpretado por Kirk Douglas, também nomeado ao Óscar pelo papel em “Sede de Viver” (1956). Uma versão menos famosa é a de Maurice Pialat (1991), e, mais recentemente, a animação “A Paixão de Van Gogh” fez sucesso. Há também uma curta-metragem de Alain Resnais. Portanto, diversas versões até chegar a esta de Schnabel.
Além de realizador, Schnabel é um pintor reconhecido. A sua estreia na realização foi em “Basquiat – Traços de Uma Vida” (1996) que, aliás, conta com uma breve participação de Dafoe. Também retratou o escritor cubano e homossexual Reinaldo Arenas; o jornalista e editor da revista de moda “Elle” Jean-Dominique Bauby; filmou um espetáculo de Lou Reed em Berlim e ficcionalizou o livro da jornalista e activista israelita Rula Jebreal.
A premissa de Schnabel em “À Porta da Eternidade” é reproduzir a mente artística de Van Gogh, um pouco como fez em “O Escafandro e a Borboleta”, ao querer traduzir o que se passa na cabeça de um homem que de repente comunica apenas com o olho esquerdo.
O realizador exemplifica com movimentos de câmara os gestos rápidos, o tom amarelo e os golpes únicos de pinceladas de Van Gogh na tela. Alguns recursos anteriormente usados em “O Escafandro” funcionam bem aqui também, já que a visão é um sentido essencial para um pintor. O realizador quer, assim, colocar o espectador no lugar de Van Gogh, retratado através desse ângulo subjetivo.
Paul Gauguin (Oscar Isaac), a Sra. Ginoux (Emmanuelle Seigner), o médico Gachet (Mathieu Amalric) e o padre do asilo (Mads Mikkelsen) entram na narrativa para dar uma linearidade em meio aos devaneios – e para colocar atores muito bons de passagem. Entretanto, fica claro que Schnabel apostou seu filme todo em Dafoe, cujo trabalho aqui vale a pena ao ponto de irmos ver novamente um Van Gogh ao cinema.