Alguma vez passou pela sua mente a pergunta: “E se o meu país simplesmente deixasse de existir?” É, sem dúvida, um pensamento assustador. Imagine-se em uma viagem internacional, quando, de repente, sua nação é atingida por um golpe militar, perdendo sua legitimidade aos olhos dos 195 países oficialmente reconhecidos ao redor do mundo.
Uma situação tensa, não acha? Você se vê em um território desconhecido, sem ter para onde voltar. O que você decidiria diante dessa reviravolta inesperada?
Bem, essa é a situação enfrentada pelo personagem Viktor Navorski, interpretado por Tom Hanks, no icónico filme dos anos 2000, “Terminal de Aeroporto”, realizado por Steven Spielberg. Após uma longa jornada de avião até os Estados Unidos, Viktor Navorski recebe a impactante notícia de que seu país, Krakozhia (país fictício no Leste Europeu), foi palco de um golpe militar.
Navorski
Após o golpe, os Estados Unidos se recusam a reconhecer a legitimidade do novo governo, resultando na anulação do passaporte de Navorski. Sem autorização para entrar na América do Norte ou retornar à sua pátria, Viktor é obrigado a passar meses confinado no terminal do aeroporto de Nova York.
Inesperadamente, embora a trama elaborada por Sacha Gervasi e Jeff Nathanson, inspirada na história de Andrew Niccol e Gervasi, pareça absurda, ela possui uma conexão leve com eventos reais. Mais especificamente, ela ecoa a história do iraniano Merhan Nasseri, que surpreendentemente passou 16 anos no aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, mesmo após obter autorização para deixar o edifício.
Em 2003, o jornal The New York Times noticiou que Spielberg adquiriu os direitos da história de Nasseri por meio da DreamWorks, desembolsando na ocasião a quantia de US$ 250 mil. Na bilheteria global, o longa arrecadou aproximadamente US$ 220 milhões.
Navorski, o apátrida
Juridicamente, após a ilegitimidade de seu país, Viktor passou a ser classificado como apátrida. Os apátridas são indivíduos cuja nacionalidade não é reconhecida por nenhum país.
A apatridia pode ocorrer por diversas razões, como discriminação contra minorias nas leis nacionais, a incapacidade de reconhecer todos os residentes como cidadãos quando um país se torna independente (secessão de Estados), como no caso de Viktor, e conflitos de legislação entre países.
A condição de apatridia é, por vezes, vista como um problema imperceptível, uma vez que as pessoas apátridas frequentemente permanecem invisíveis e desconhecidas, como habilmente retratado no filme de Spielberg. Essas pessoas podem encontrar dificuldades em frequentar a escola, consultar um médico, obter emprego, abrir uma conta bancária, adquirir uma casa e até mesmo contrair matrimônio.
Mas, afinal o qual a diferença entre, Estado, nação e país?
Um Estado representa o conjunto de instituições encarregadas de governar e administrar uma nação ou país, estabelecendo sua ordem jurídica. No contexto brasileiro, isso se traduz em um Estado que se fundamenta na Constituição Federal, leis ordinárias, medidas provisórias, decretos, resoluções, portarias, e em toda uma estrutura jurídica hierarquizada.
Uma nação é moldada pela interação de características culturais, tradições, língua, costumes e outros elementos que convergem para criar uma identidade compartilhada, na qual os indivíduos se identificam e se sentem conectados. Antes do surgimento do Estado, as nações existem com um caráter mais subjetivo e humano. É possível que um Estado seja constituído por diversas nações, assim como uma única nação pode se desdobrar em diferentes Estados.
Numa perspectiva mais ampla, um país é comumente entendido como uma designação geográfica que frequentemente se alinha com um Estado. Contudo, é válido destacar que existem situações em que estados e nações não se vinculam a países. Um exemplo disso são os Cavaleiros de Malta, que representam um Estado desvinculado de um país específico, e os ciganos, que constituem uma nação sem uma delimitação geográfica específica.
As razões para o surgimento ou desaparecimento de uma nação
Para os que não estão muito ligados em questões geopolíticas, os eventos de independência, a queda do Muro de Berlim, o desfecho da Guerra Fria e os conflitos armados da segunda metade do século passado deixaram sua marca, transformando as fronteiras políticas em diversas partes do mundo. Essas mudanças, que afetaram países de maneira direta ou indireta, resultaram na extinção, dissolução e nascimento de várias nações.
Além das questões geopolíticas, as razões para o surgimento ou desaparecimento de nações são diversas, incluindo a presença de um território com língua e costumes compartilhados, divisões resultantes de períodos de guerra, ascensão econômica, migração, entre outros fatores.
Em um contexto mais curioso, é interessante observar que, atualmente, temos oficialmente 195 países, sendo o Sudão do Sul (África) o mais recente, fundado em 2011, e a República de San Marino (Europa), a mais antiga, remontando a 301 a.C.
União Soviética
Possivelmente, o exemplo mais notório de extinção de um país é o da União Soviética. Esta nação esteve presente de 1922 a 1991, originando-se da revolução que converteu a Rússia em uma nação socialista em 1917.
As reviravoltas desencadeadas nesse país após a revolução deram origem à União Soviética na década de 1920. Esse megapaís englobava 15 repúblicas soviéticas, as quais, após a sua dissolução em 1991, conquistaram sua independência.
O colapso da URSS não apenas marcou o término de uma era, mas também encerrou a Guerra Fria, um confronto político-ideológico que moldou intensamente a segunda metade do século XX.
O desfecho da União Soviética está intrinsecamente ligado à crise econômica que assolou o país a partir da década de 1970. Essa crise, que atingiu proporções alarmantes, desencadeou uma instabilidade política que tornou insustentável a continuidade do país e do bloco comunista sob a influência soviética. Esse processo de desmoronamento teve seu início no final da década de 1980.
Sergei Krikalev
De maneira semelhante, a situação de Navorski pode ser equiparada à do cosmonauta soviético Sergei Krikalev.
Em maio de 1991, Krikalev foi enviado à Estação Espacial Mir com a expectativa de retornar em novembro do mesmo ano.
No entanto, o governo russo, enfrentando “outras prioridades, outras preocupações”, prolongou sua permanência. Em 25 de dezembro de 1991, a União Soviética colapsou completamente, com Gorbachev renunciando por motivos de saúde.
Nesse dia, a URSS se desintegrou em 15 nações, tornando o país que enviara Krikalev ao espaço inexistente. Sua cidade natal, Leningrado, foi agora renomeada como São Petersburgo.
Exatamente três meses após o colapso da União Soviética, em 25 de março de 1992, Sergei Krikalev e Alexander Volkov empreenderam seu retorno à Terra. Durante 312 dias, Krikalev flutuou no espaço, contornando nosso planeta em impressionantes 5 mil órbitas.
Ao enfrentar os caóticos meses que marcaram o desmoronamento da potência comunista, Krikalev conquistou a fama de “último cidadão soviético”, embora sua estadia na estação espacial nunca tenha sido marcada pela solidão.
Guerras civis
Embora a história de Navorski seja pura ficção, ela ecoa a dura realidade enfrentada por inúmeras pessoas ao redor do globo.
Num contexto mais atual, vale recordar que, em setembro, pouco mais de um mês após um ataque sem precedentes do grupo militante Hamas contra comunidades israelenses, o Exército do Azerbaijão lançou uma ofensiva em Nagorno-Karabakh. Nesse território disputado, uma continuação dos conflitos de 2020, as forças azerbaijanas derrotaram os combatentes de etnia armênia.
Voltando um pouco mais no tempo, em 2022, quando a esperança de superação da pandemia de Covid-19 começava a surgir, presenciamos o agravamento das tensões entre a Rússia e a Ucrânia, culminando no desdobramento mais trágico: a invasão russa e o desencadeamento de um conflito armado convencional e amplo no centro da Europa, um cenário que perdura até o presente momento.
Os conflitos entre Estados são numerosos, como evidenciado na situação da Ucrânia, assim como as guerras civis que envolvem facções com apoio de diferentes Estados, como é o caso da Síria.
Além disso, há uma série de outros conflitos ativos ao redor do mundo. Vale ressaltar que não mencionamos os conflitos internos, exemplificados no Haiti, as situações de extrema instabilidade política, como ocorreu no Sri Lanka, ou as chamadas “guerras contra as drogas” ou contra grupos criminosos, presentes em locais como o Equador e outros países da América Latina.
Golpes militares
Para além da guerra civil, o país de Navorski está imerso em um golpe militar, uma situação que poderia remeter aos tumultuados anos 60, mas que, surpreendentemente, tem se tornado cada vez mais comum nos dias atuais.
Apenas para termos uma noção, nos últimos três anos, a África foi palco de sete golpes de Estado, ocorrendo no Chade, Mali, Guiné, Sudão, Burkina Faso, Níger e Gabão.
O episódio mais recente se deu no Gabão, em 30 de agosto de 2023, quando um grupo de altos militares assumiu o controle logo após o órgão eleitoral do país anunciar a vitória do presidente Ali Bongo nas eleições de 26 de agosto, assegurando, assim, seu terceiro mandato.
Felizmente, no caso de Navorski, a situação se resolveu no final, e seu país recuperou o status de república.
Referências:
Estado, país ou nação? Entenda as diferenças. Politize!, São Paulo, 22 jan. 2024. Disponível em: https://www.politize.com.br/estado-pais-nacao-diferencas/. Acesso em: 22 jan. 2024.
União Soviética. História do Mundo, São Paulo, 22 jan. 2024. Disponível em: https://www.historiadomundo.com.br/idade-contemporanea/urss.htm. Acesso em: 22 jan. 2024.
Atualidades Enem: Separatismo. Quero Bolsa, São Paulo, 22 jan. 2024. Disponível em: https://querobolsa.com.br/revista/atualidades-enem-separatismo. Acesso em: 22 jan. 2024.
Apátridas. ACNUR, Genebra, Suíça, 22 jan. 2024. Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/quem-ajudamos/apatridas/. Acesso em: 22 jan. 2024.