É sempre triste quando um estúdio como o Ghibli decide que a solução mais viável é cortar no número de empregados, cortar nas produções cinematográficas e acima de tudo, cortar na imaginação daqueles que ansiavam todos os anos pelo lançamento dos seus novos filmes. Como membro do Cinema 7ª Arte foi-me então proposto escrever um pouco sobre os cinco filmes Ghibli que mais me marcaram, numa forma simples de homenagem.
Sem qualquer ordem de preferência entre eles, estes são os cinco filmes Ghibli que eu considero mais marcantes.
“O Mundo Secreto de Arrietty” (2010), de Hiromasa Yonebayashi
De todos os filmes Ghibli pós-2000 (ou pós “A Viagem de Chihiro”) aqueles que considero mais sólidos em termos de narrativa e animação são “Arrietty” e “The Wind Rises” (talvez com o ainda não lançado em Portugal “Kaguya-hime no Monogatari” a chegar perto. Curiosamente o filme que oficialmente levou os directores da Ghibli a tomar a decisão que tomaram) mas após pensar durante um bocado, “Arrietty” é o mais completo dos dois. “The Wind Rises” traz um pouco da liberdade da aviação misturada com a típica animação de Hayao Miyazaki mas “Arrietty” traz a Fantasia, a bela animação e o sentimento que esperamos da Ghibli. A única coisa que falta neste filme no entanto é o seu lado mais “crescido” de forma a atrair o público adulto; mas tirando essa pequena falha (porque é mesmo pequena, não esqueça-mos que estes são filmes feitos principalmente para crianças) “O Mundo Secreto de Arrietty” é um dos estandartes da longa filmografia que estamos aqui a homenagear.
“O Mundo Secreto de Arrietty” é sobre uma garota de quatorze anos chamada….Arrietty, que vive com os seus pais numa casa, sem que o dono da casa (que também lá habita com a sua empregada) saibam que partilham a casa com ela. Importante também notar que Arrietty e a sua família têm um tamanho diminuto (são do tamanho de ratos) e vivem entre as paredes da casa, vasculhando pela mesma com o intuito de “pedir emprestado” objectos e comida importantes para a sua sobrevivência. Quando certo dia um jovem humano de nome Sho se muda para a mesma casa, ele e Arrietty iniciam uma amizade às escondidas de todas as outras personagens.
O realizador deste filme é Hirosama Yonebayashi, que se estreou neste filme nesse cargo e entretanto já lançou um segundo filme que, de forma curiosa, será o último da Ghibli durante o futuro próximo: “Omoide no Marnie”. Yonebayashi é também o realizador mais jovem de sempre ao leme de um filme Ghibli.
“O Túmulo dos Pirilampos” (1988), de Isao Takahata
Não há muito mais a dizer sobre este filme para além de que este é uma espécie de trituradora de emoções. O filme mais trágico da Ghibli (embora com a mesma inocência e pontualmente, alegria, dos restantes) foca-se na história de um rapaz chamado Seita e na sua praticamente impossível missão em proteger a inocência de Setsuko, a sua irmã mais nova, algures numa cidade japonesa totalmente destruída durante os meses finais da segunda guerra mundial.
Aquele que é conhecido como “A Lista de Chindler dos filmes de animação” começa imediatamente por nos escancarar com o destino de Seita e sua irmã, sendo que os primeiros planos de “…Túmulo…” mostram um varredor a encontrar o cadáver de Seita juntamente com uma lata cheia de pirilampos, simbolizando a alma da sua irmã. A partir deste ponto é o espirito de Seita que nos relata a sua história de vida e mesmo já sabendo que o filme acaba com a sua morte, a sua inevitável chegada não pode ser mais destruidora ao longo da duração deste filme.
“O Túmulo dos Pirilampos” foi realizado por Isao Takahata, o outro nome forte da Ghibli a par de Hayao Miyazaki e ele próprio também um sobrevivente de bombardeamentos como aqueles retratados no filme.
“A Viagem de Chihiro” (2001), de Hayao Miyazaki
Este filme é considerado por muitos (e eu também me incluo) como a Magnum Opus da Ghibli e particularmente do realizador Hayao Miyazaki, e se a maravilhosa animação não vos cativar, então contem com a narrativa, principalmente como vemos Chihiro crescer bem na frente dos nossos olhos, para fazer o truque.
“A Viagem de Chihiro” trata temas como o crescimento e os rituais de passagem; a corrupção, preconceito e tentação e a forma em como estes problemas dependem sempre do ambiente que rodeia o jovem em crescimento, sejam os pais, amigos ou a Cultura em si.
Devemos também agradecer, segundo dizem, à filha de um casal amigo de Miyazaki que, fazendo uma pirraça, inspirou o realizador a sair da reforma anunciada depois de “A Princesa Mononoke” para realizar este filme.
“O Meu Vizinho Totoro” (1988), de Hayao Miyazaki
Totoro tornou-se no símbolo máximo da Ghibli. Toda a gente conhece o gigante e felpudo espírito da floresta que Satsuki e Mei (as personagens principais do filme) descobrem após darem com um caminho entre as árvores. Este é também um filme sobre experiência e descobrimento e não tanto sobre a resolução de um conflito, fazendo com que a visualização do mesmo seja uma aventura visual coberta de risos constantes. Mais uma vez as temáticas do crescimento e dos rituais de passagem se encontram num filme de Miyazaki, mas ao contrário de “…Chihiro”, este filme se foca mais na inocência e na liberdade que existe em nós antes do derradeiro momento aparecer onde o adulto tem que brotar.
Também digno de notar é que foi mesmo esse lado “fofo” do filme que acabou por o salvar, sendo que enquanto “Totoro” o filme não teve uma estadia de sucesso dos cinemas, Totoro a personagem causou um impacto gigantesco quando chegou ás prateleiras das lojas, trazendo o filme consigo para o sucesso.
“Porco Rosso – O Porquinho Voador” (1992), de Hayao Miyazaki
Esta lista de filmes foi feita sem ordem de preferência mas, caso o fosse, “Porco Rosso” seria sem sombra de dúvida o meu número um. O filme passa-se no mar Adriático onde um veterano piloto da segunda guerra mundial ganha agora o seu soldo a fazer trabalhos como mercenário e caçador de prémios, protegendo as vilas circundantes dos piratas do ar e de todo o tipo de gangs que se começam a formar no pós-guerra. E já agora, ele tem uma cabeça de porco. Literalmente a sua cara é a cara de um porco e toda a gente parece dar-se bem com isso, á parte das ocasionais piadas de algumas personagens. Não há qualquer traço de Fantasia em “Porco Rosso” para além do facto da personagem principal ser um Homem-Porco e mesmo isso é tratado como se fosse a coisa mais natural do mundo. De vez em quando nota-se algum desdém em Marco (é o seu nome, já agora) quando se olha ao espelho, mas só isso, e nenhuma explicação é dada sobre o facto. O filme desenvolve a sua narrativa após uma zaragata com o avião do arrogante e talentoso piloto americano Curtis, Marco vê o seu avião ser parcialmente destruído, tendo então que ir ter com um mecânico seu amigo, redesenhar o avião de forma a melhora-lho, e vencer então Curtis. A história é simples e o desenho é dos mais atractivos dada a sua naturalidade e realismo. Quanto aos temas do filme para além da obvia homenagem ao mundo da aviação do qual Miyazaki é um acérrimo fan (vejam a quantidade de filmes dele que envolvem aviões como peça fundamental da narrativa) existe também um rondar numa certa explicação para o surgimento do fascismo. Não que o filme seja pró-fascismo, antes pelo contrário, mas o número de gangs e o desemprego que aparece em planos de fundo mostra um povo amedrontado e facilmente enganado por ideais radicais. A própria personagem principal menciona a certa altura preferir “ser um porco do que um fascista” mas isso de pouco influência os acontecimentos no plano de fundo, como que uma segunda narrativa escondida para os adultos se entreterem. Para além disso existem os temas da camaradagem, da liberdade e da ética.
A parte trágica é que Miyazaki anunciou várias vezes a sua intenção de fazer uma sequela para “Porco Rosso” e ao que tudo indica o próprio já escreveu o argumento para essa sequela, que se iria passar durante a Guerra Civil Espanhola. Hirosama Yonebayashi estava anunciado como o realizador. No entanto com o semi-cerrar das actividades por parte da Ghibli a esperança em ver esse projecto nos cinemas fica para já em suspenso, mas não morta, pois se os filmes da Ghibli nos ensinaram algo foi que a esperança tem que ser agarrada com as duas mãos pois por vezes coisas mágicas acontecem.