O que aconteceu ao realizador de “O Discurso do Rei”? Que aconteceu a Tom Hooper, que venceu em 2012 o Óscar de Melhor Realizador? A sua realização neste filme, que tinha tudo para ser um sucesso, ficou muito a desejar. É uma pena. Confesso que ia com elevadas exptectativas, talvez demasiado grandes.
A clássica obra literária “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, que já foi diversas vezes adaptada ao cinema e à televisão, sendo a versão cinematográfica de 1998 a mais conhecida, é agora adaptada em versão músical. Na verdade, a história é baseada no musical da Broadway, que por sua vez é baseada no romance, sobre Jean Valjean (Hugh Jackman), um condenado posto em liberdade, que tenta fugir de Javert (Russell Crowe), inspector e seu perseguidor. Jean vai conhecer algumas pessoas que testemunharam a miséria e a pobreza, como Fantine (Anne Hathaway), uma prostitute e a sua filha que adopta, Cossete (Amanda Seyfried). Tendo como pano de fundo a França, entre 1815 a 1832, todas estas personagens lutam pela redenção e revolução.
É um músical para quem gosta realmente deste género cinematográfico, pois o filme é todo cantado, literalmente. Não é caso único, nem novidade, pois já o cineasta francês Jacques Demy o fazia, por exemplo em “Os Chapéus de Chuva de Cherburgo” (1964). Mesmo a versão de “Sweeney Todd” de Tim Burton é praticamente cantado, por exemplo. Mas não deixa de ser interessante e pouco frequente, ter todos os diálogos do filme cantados. Mas sempre acompanhados pela belíssima música do músical da Broadway, por isso a banda Sonora não é original neste filme. A grande novidade deste filme de Hooper é o modelo de gravação das músicas durante a própria rodagem. Antigamente os atores tinham que gravar as músicas num estúdio de som e semanas depois, durante a rodagem, fingiam que cantavam. O que acontece agora é que eles cantam “ao vivo”, o que permite ao ator ser mais fléxivel a cantar e a representar, pois faz tudo ao mesmo tempo. O filme pode contentar-se, talvez apenas com isso, com excelentes interpretações do fenomenal elenco. O momento músical, “I Dreamed a Dream” cantado por Anne Hathaway é mágico e arrepiante, assim como Hugh Jackman a cantar “Bring Him Home”, Russell Crowe canta muito bem (quem diria!) e “Do You Hear the People Sing”, a música da revolução, consegue ser épica e arrebatadora.
O filme é longo, cerca de três horas, ou não fosse a obra literária composta por dois volumes. No entanto, o filme passa a correr, pois são tantos acontecimentos, tantas cenas, que se desenvolvem de forma veloz, sem dar tempo ao espectador para pensar e apreciar. É o que seria de esperar de um filme de Hollywood, que faz-nos engolir tudo, sem deixar cheirar ou mastigar. Saimos do cinema com a sensação de ter visto muita coisa, mas não sabemos bem o quê, porque foi tudo a correr, sem sumo. O filme peca imenso por isso. Assim como a mediocre realização de Hooper, que com um excelente elenco, banda sonora, cenários e história em mãos, não os soube bulir. Já para não falar do excessivo abuso do close-up (grande plano), que abunda em quase todo o filme, parecendo uma telenovela cantarolada. Não há grande emoção no filme. É tudo bastante forçado e imposto, sendo raros os momentos em que nos emocionamos verdadeiramente.
Esperava-se mais de Tom Hooper, que pouco alterou do já conhecido musical da Broadway. Vale a pena ver para quem gosta de musicais e pelas excelentes interpretações. “Os Miseráveis” é a primeira grande desilusão do ano. Tinha tudo para ser um grande e ambicioso filme, um épico, mas acabou por não ser tão vibrante como o livro ou o musical.
Realização: Tom Hooper
Argumento: William Nicholson
Elenco: Anne Hathaway, Helena Bonham Carter, Hugh Jackman, Russell Crowe,Sacha Baron Cohen, Eddie Redmayne, Aaron Tveit, Amanda Seyfried, Colm Wilkinson
Reino Unido/2012 – Musical
Sinopse: Com a França do século XIX como pano de fundo, Os Miseráveis conta uma apaixonante história de sonhos desfeitos, de um amor não correspondido, paixão, sacrifício e redenção, num testemunho intemporal da sobrevivência do espírito humano. Jackman interpreta um ex-prisioneiro, Jean Valjean, perseguido durante décadas pelo cruel polícia Javert, depois de ter quebrado a sua liberdade condicional. Quando Valjean aceita cuidar de Cosette, a filha da operária Fantine, as suas vidas mudam para sempre.