25 de Abril

“Os Tenenbaums”: excentricidade, delicadeza e subjetividade

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O terceiro filme da filmografia célere do realizador estadunidense Wes Anderson marca por ser a consolidação palpável de seu estilo textual, estético e conceitual disposto em toda sua série de filmes. “Os Tenenbaums” evidencia de forma direta o conceito de excentricidade, delicadeza, subjetividade e experimentação comum em grande parte dos filmes produzidos pelo texano.

Wes aplicou excepcionalmente todo esse conjunto teórico em uma família nada comum, ele conseguiu converter todo um contexto simples em algo relativamente emblemático, belo e sensível aos olhos. Sim, há uma magia nas entrelinhas do argumento de composição do texto, os personagens são versados de forma poética (são únicos e originais), o cenário e a ambientação carregam o charme do ato de ser excêntrico.

Escrito pelo próprio Wes Anderson em parceria com o ator Owen Wilson, que também integra o elenco principal do filme (nomeado aos Óscares, na categoria de Melhor Argumento Original, em 2002). “Os Tenenbaums” tem como enredo central a história de uma família complexada e estranha, essa família tem em seu núcleo familiar três filhos totalmente diferentes, complexados, inteligentes, prodígios e singulares, que tristemente são adultos frágeis, instáveis, egocêntricos, soturnos, antissociais e solitários.

 

Ademais, não conseguiram suprir as expectativas especuladas pelos pais Royal (Gene Hackman) e Etheline (Anjelica Huston). Os pais, respectivamente, estão em um processo louco de divórcio litigioso, e em meio a tudo isso Etheline está iniciando um novo relacionamento. Royal totalmente sem noção resolve regressar para sua antiga casa com a ‘’missão’’ de tentar reunir seus filhos prodígios.

Wes e Owen tiveram cuidado ao desenvolver os personagens, o roteiro foi construído impecavelmente. Aqui, entretanto, a unidade do todo é mantida de modo muito sugestivo e interessante pela ideia de que a excentricidade das personas é aplicada visceralmente em uma família incomum dos Estados Unidos. Os personagens expressam a intencionalidade de Wes. Algo regular em seu estilo único de composição, em tendências gerais, os personagens exercem um efeito psicológico quando olhamos o âmbito familiar em que estão inseridos. Eles são transparentes desde o primeiro capítulo do longa, mas nunca de maneira completa, o que intensifica o charme peculiar da elaboração.

Contudo, ao telespectador fica nítido quem são e o que motiva cada personagem, durante o filme podemos visualizar e entender o quão significativo e sentido pode ser o abandono de um pai, e como isso afeta diretamente o modo de relacionamento da família, em especial o trio de filhos. Uma vez que o longa insere, assim, personagens deprimidos, inseguros e soturnos que recorrem ativamente à privação de seus sentimentos e de sua própria realidade cotidiana.

Vamos aos filhos, Chas (Ben Stiller) é o tipo de pessoa que não consegue lidar com perdas, Margot (Gwyneth Paltrow) é misteriosa e opta sempre por esconder seus segredos de toda a família, não consegue ser honesta e direta com ninguém, e Richie (Luke Wilson), que abriu mão de uma carreira em ascensão e do convívio em sociedade por não saber lidar com os sentimentos que silenciosamente alimenta por sua irmã de criação Margot. Em resumo, são pessoas subjetivas, mortiças, infelizes, depressivas, sensíveis e inconformadas com o sentido de suas vidas.

 

Em sentido mais exato, os personagens da galeria de Wes Anderson são desajustados no que se refere aos padrões de vida da sociedade normativa, ultrapassam seu autotransformar e diferenciar, o que fornece dinamismo a todo movimento de composição geral e singular de cada um, vivenciam uma luta constante, a luta contra a própria forma, contra o princípio da forma. Para compreendê-los é necessário codificar as situações paradoxais do cotidiano e interpretar as relações inconstantes, pedíeis, insistíeis e anormais que a trama aprofunda. Os filhos de Royal cresceram como prodígios, idolatrados e superestimados por ele e sua ex-esposa.

No entanto, o trauma do abandono criou adultos narcisistas, insatisfeitos e egocêntricos no tocante ao peso que a genialidade lhes impôs. Essa característica ecoa substancialmente em todos os outros personagens coadjuvantes da obra. Finalmente nos deparamos em torno destas considerações, com um fundamento passível de ser comprovado no interior e, em maior escala, no exterior de cada filho do casal.

Essa talvez seja, em geral, o que posso aqui indicar como uma crítica intencional ao individualismo moderno, conceito duramente criticado por Wes no filme. O fato é que o trio de protagonistas carrega o peso de um passado notável e um futuro irresoluto, são pragmáticos e compostos de sentimentos intangíveis e fluxos inertes, são seres constituídos de partículas que os preenchem e os deixam vazios ao mesmo tempo. Desse modo, a vida e tudo o que os rodeia se expressa imediatamente em cada um, tal fator determina a condução do destino comum e independente deles.

 

Toda essa densa contextualização apenas confirma o quão incomum pode ser a realidade paralela em que o enredo de ‘’Os Tenenbaums’’ transcorre. Mesmo o narrador situando que o espaço narrativo é a cidade estadunidense de Nova York, em momento algum isto é pontuado como local de ação do filme.

Em tese, no processo de construção artística, a cenografia do filme pode até induzir-nos a pensar que o filme é ambientado na cidade de Nova York, mas se percebermos ao mesmo tempo essa ambientação pode ser projetada em qualquer cidade do mundo. A casa e o figurino dos personagens são organizados para que não tenham década específica, Wes quis organizá-los em múltiplos períodos do recente século e do século anterior e assim desenvolver na trama a condução de personagens perdidos em não lugares.

A fotografia de Robert Yeoman (Indicado ao Óscar de Melhor Fotografia, em 2015, pelo trabalho na obra “Grand Hotel Budapeste”, outro filme de Wes) instiga o âmago dos personagens. Wes Anderson é fissurado por simetria e com o apoio de Yeoman, que desenvolveu a cenografia de outros projetos dele, busca dialogar com o público sempre deixando evidente, por meio da centralização, quem é o mais importante em cena.

Todos os personagens e cenários estão sempre organizados visualmente desta maneira, com exceção de Margot, que assim como lembra o pai não é filha biológica, por isso ela é propositalmente colocada no canto de tela, fora da dimensão visual projetada pela dupla. Essa construção visual amplia o efeito narrativo do longa, sem contar que dá seguimento ao efeito proposto em todos filmes da filmografia de Anderson.

Quando falamos de um longa produzido por Wes Anderson, a fotografia, o design de produção e a direção de arte são pontos fortes que conduzem a trama tanto quanto o próprio argumento. A paleta de cores selecionada por Carl Sprague para cada personagem também descreve um pouco da personalidade individual de cada um. Além de uma história bem intrigante, o filme conta com uma banda sonora impecável, com artistas como: Bob Dylan, The Velvet Underground, The Clash, Elliott Smith, John Lennon, Ramones, entre outros.

Estruturalmente falando, o longa é construído como um livro de crônica familiar, onde cada capítulo ilustra um personagem ao mesmo tempo que a subtrama transcorre durante todo esse período. Entretanto, é importante lembrar que é impossível separar qualquer temática que não foque em Royal Tenenbaum, o pomposo e bonachão pai da família. Cabe destacar que todas as situações construídas nas cenas do filme são decorrentes do abandono desse pai. O papel rendeu a Gene Hackman inúmeras nomeações nos principais prémios da temporada 2001/2002.

Royal é um personagem dúbio, egocêntrico e egoísta e o roteiro tentou criar essa dúvida sobre o real motivo de seu retorno para casa. Será mesmo que foi pela expulsão do hotel em que vivia ou será que foi o anúncio do casamento de sua ex-esposa que motivou esse retorno? Seja qual for a reposta, a intenção de Owen Wilson e Wes Anderson não mudaria o egoísmo cego e a insensibilidade vil desse complexo personagem, que não pestaneja em brincar com os sentimentos dos outros. Em síntese, Royal Tenenbaum não é apenas um cafajeste, é um embuste de marca maior, que sente prazer quando tudo flui em seu favor. Mesmo que o texto final do filme tente relevar os atos cometidos por ele, é impossível apagar as rasuras que ele deixou na história desta família “diferentona”.

 

Em suma, o longa é classificado em comédia dramática, já que o texto consegue arrancar algumas risadas, ao mesmo tempo que apresenta cunho dramático em várias cenas. Owen e Wes foram perspicazes ao escreverem um texto onde ficam nítidos vários temas polêmicos, e é magistral a forma como eles conseguiram apresentar tudo isso de forma tão natural. Wes e Owen abordaram de forma sublime temas como: morte, incesto, depressão, suicídio, traição, abandono do lar, pais tóxicos, divórcio, carreira, sucesso etc.

Esse terceiro filme da carreira de Wes evidencia o espaço construído por um jovem cineasta ao mostrar que é muito mais do que histórias cotidianas contadas de um jeito inusitado, ele é capaz de reunir um bom elenco e dar espaço para que todos tenham seu momento de importância sem serem ofuscados por ninguém, mas brilharem em conjunto. Esse é o poder da magia de Anderson. É o poder de seu mundo particular.

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