Artigo escrito por Maria Inês Gomes, Vanderlei Tenório e Tiago Resende
“Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo” dominou a 95.ª edição dos Óscares ao arrecadar sete estatuetas douradas: Melhor Filme, Realização, Atriz, Ator Secundário, Atriz Secundária, Argumento Original e Edição. Já “A Oeste Nada de Novo” (a produção mais premiada de sempre da Netflix) foi o segundo mais premiado da noite ao vencer em quatro categorias, que inclui a de Melhor Filme Internacional.
A comédia de ficção científica dos Daniel’s venceu sete das onze categorias para que estava nomeado e provou ser o favorito ao longo da temporada de prémios 2022/2023. A Academia norte-americana de Artes e Ciências Cinematográficas (AMPAS) reconheceu uma das comunidades mais invisíveis ou ignoradas na indústria cinematográfica norte-americana, como é o caso da comunidade asiática.
Garantindo o segundo prémio mais esperado da noite, a dupla Daniel Kwan e Daniel Scheinert (Os Daniel´s) ganhou o prémio de Melhor Realização por “Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo”. Com a vitória, a dupla superou o sueco Ruben Östlund pelo filme “Triângulo da Tristeza”; o veterano Steven Spielberg, na sua nona nomeação pelo drama semi auto-biográfico “Os Fabelmans”; Martin McDonagh, vencedor de um Óscar, na sua sétima nomeação aos Óscares, mas a sua primeira na categoria de Melhor Realização, pelo filme “Os Espíritos de Inisherin”; e Todd Field na sua sexta nomeação e a primeira nesta categoria, pelo filme “Tár”.
Michelle Yeoh fez história ao tornar-se a primeira mulher asiática a ganhar o Óscar de Melhor Atriz, pela sua interpretação em “Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo”. Esta foi a primeira nomeação aos Óscares e à primeira ganhou. Nesta edição, a categoria de Melhor Atriz foi uma grande incógnita, afinal, Cate Blanchett e Michelle Yeoh estavam em pé de igualdade no quesito interpretação. Tal fato foi decisivo no crive dos membros votantes da Academia. Ilustrando melhor a disputada estatueta, na temporada 2022/23, Blanchett ganhou a soma de 30 prémios. Por sua vez, Yeoh garantiu 49 prémios para a sua estante.
O comeback of the year e retumbante renascimento de Brendan Fraser, no drama psicológico “A Baleia”, acontece com o prémio de Melhor Ator. Fraser está de volta. Embora desta vez ele tenha trocado os filmes de ritmo acelerado, comédias românticas, filmes para família, por um enredo mais soturno e dramático, realizado por Darren Aronofsky.
A sala levantou-se para entregar o Óscar de Melhor Ator Secundário a Ke Huy Quan, pelo seu desempenho em “Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo”. De forma emocionada, o ator vietnamita agradeceu aos colegas do filme, assim como aos colegas dos anos 1980 do filme “Os Goonies”. Em Hollywood, Quan destacou-se em filmes como “Indiana Jones e o Templo Perdido” (1984), de Steven Spilberg e “Os Goonies” (1985), de Richard Donner (1930-2021). Entretanto, apesar de ter ganhado a crítica e o público mundial como um promissor ator mirim, infelizmente, Quan acabou caindo no ostracismo. Podemos agora afirmar que, de forma avassaladora, o longa dos Daniels o fez renascer perante o grande ecrã.
Conhecida por comédias leves dos anos 2000 e pela série de filmes de terror “Halloween”, Jamie Lee Curtis, finalmente, conquistou seu primeiro Óscar, de Melhor Atriz Secundária, também por “Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo”. Nesse sentido, assim, como Jane Fonda, Angelina Jolie, Michael Douglas e Nicholas Cage, Curtis entra para o grupo seleto das famílias vencedoras dos Óscares. Tais famílias incluem: Os Coen (8 vitórias e 15 nomeações), os primos Powell (6 vitórias e 21 nomeações), os Douglas (4 vitórias e 6 nomeações), o clã Coppola (12 vitórias e 30 nomeações), os Fonda (4 vitórias e 9 nomeações) a família de compositores Newman (12 vitórias e 76 nomeações) e, agora, os Curtis (1 vitória e 2 nomeações).
“A Oeste Nada de Novo”, o remake alemão da Netflix do clássico, também alemão, de Lewis Milestone (1930), começou a vencer de forma discreta, em duas categorias previsíveis (Melhor Filme Internacional e Melhor Fotografia), até que começou a liderar os prémios com mais duas vitórias, nas categorias de Melhor Design de Produção, para a dupla Christian M. Goldbeck e Milena Koubková e Melhor Banda Sonora para Volker Bertelmann – Bertelmann suprimiu os favoritos Justin Hurwitz e John Williams (em sua 53.ª nomeação ao prémio e 31.ª parceria com Steven Spielberg).
“Elvis”, o favorito a vencer nas categorias de Melhor Guarda-Roupa e de Melhor Maquilhagem e Cabelos, acabou de mãos vazias. A primeira categoria foi atribuída a “Black Panther: Wakanda Para Sempre” e na segunda, o premiado foi “A Baleia”. Também “Os Espíritos de Inisherin” e “Os Fabelmans” não venceram em nenhuma categoria.
Com uma estatueta venceram “Pinóquio de Guillermo del Toro” (Melhor Filme de Animação), “A Voz das Mulheres” (Melhor Argumento Adaptado), “Avatar: O Caminho da Água” (Melhores Efeitos Visuais), “Top Gun: Maverick” (Melhor Som), “Black Panther: Wakanda Para Sempre” (Melhor Guarda-Roupa) e “RRR” (Melhor Canção Original).
Na sua segunda nomeação aos Óscares, desta vez por “A Voz das Mulheres”, o único dos dez nomeados a Melhor Filme realizado por uma mulher, Sarah Polley venceu o seu primeiro Óscar na categoria Melhor Argumento Adaptado – a sua primeira nomeação veio na mesma categoria pela adaptação do conto “The Bear Came Over The Mountain”, de Alice Munro, para o drama “Longe Dela” (2006).
De forma histórica e rompendo a hegemonia norte-americana, “Naatu Naatu”, do indiano “RRR”, de S. S. Rajamouli, rendeu a dupla M.M. Keeravaani e Chandrabose o prémio de Melhor Canção Original. A música teluga superou as canções de Lady Gaga, Diane Warren e Rihanna, levando para a Índia um dos principais prémios da música.
Não foi desta que Portugal levou o seu primeiro Óscar. “Ice Merchants” era um dos favoritos a vencer na categoria de Melhor Curta-Metragem de Animação e só a sua nomeação foi um feito histórico para todo o cinema português, sobretudo o de animação. No entanto, havia outro forte concorrente, “O Menino, a Toupeira, A Raposa e o Cavalo”, uma produção de maior orçamento, que levou a estatueta dourada.
O momento in memoriam fez-se acompanhar por “Calling All Angels” de Lenny Kravitz, que, contrariamente ao espectáculo da edição anterior demasiadamente ofuscante do clima de perda inerente ao momento, conseguiu devolver alguma sobriedade à cerimónia.
A 95.ª edição dos Óscares abriu com um discurso de boas-vindas do apresentador, pela terceira vez, Jimmy Kimmel, pautado por uma clara homenagem à sala de cinema, a par das expectáveis referências humorísticas aos episódios dos envelopes trocados em 2017, e à agressão cometida pelo ator Will Smith no ano passado. Contrastante com o discurso de abertura repleto de um forte elogio ao poder da sala de cinema e da experiência única de assistir a filmes em grande tela, a produção da Netflix “A Oeste Nada de Novo”, com exibição praticamente exclusiva no serviço de streaming, arrecadou quatro prémios nas categorias de Melhor Filme Internacional, Melhor Fotografia, Melhor Banda Sonora Original e Melhor Design de Produção.
O momento alto da cerimónia, do ponto de vista de uma eventual leitura política, acontece com o discurso forte e emocionado da esposa de Navalny, Yulia Navalnaya, quando subiu ao palco para receber o prémio pelo Melhor Documentário, e recordou ao mundo que Navalny se mantém preso e a Ucrânia permanece um país sem liberdade. O ponto mais insólito poderá ter sido a presença de uma burra em palco, numa alusão à Jenny do filme “The Banshees of Inisherin”, que não arrecadou nenhuma estatueta, apesar das suas nove nomeações; bem como a presença da figura de um urso para apresentar o prémio de Melhor Efeitos Visuais.
Os Óscares recuperam a tradição clássica da atribuição de um grande número de estatuetas ao filme mais nomeado da noite, como aconteceu nomeadamente com “Titanic” (1997) e “Ben-Hur” (1959). “Tudo em todo o Lado ao mesmo Tempo” só falha as cinco principais categorias, na medida em que não estava nomeado para Melhor Actor principal. O prémio de Melhor filme deste ano, tal como a cerimónia na generalidade dos seus discursos de agradecimento, enaltecem o valor da “terra dos sonhos”, a abertura à interculturalidade, e como afirmou Daniel Kwan “a importância das histórias e dos contadores de histórias”.
Vencedores:
Melhor Filme
Everything Everywhere All at Once
Melhor Realização
Everything Everywhere All at Once, por Daniel Kwan e Daniel Scheinert
Melhor Ator
Brendan Fraser, em The Whale
Melhor Atriz
Michelle Yeoh, em Everything Everywhere All at Once
Melhor Ator Secundário
Ke Huy Quan, em Everything Everywhere All at Once
Melhor Atriz Secundária
Jamie Lee Curtis, em Everything Everywhere All at Once
Melhor Argumento Original
Everything Everywhere All at Once
Melhor Argumento Adaptado
Women Talking
Melhor Filme de Animação
Guillermo del Toro’s Pinocchio
Melhor Filme Internacional
All Quiet on the Western Front (Alemanha)
Melhor Documentário
Navalny
Melhor Fotografia
All Quiet on the Western Front
Melhor Guarda-Roupa
Black Panther: Wakanda Forever
Melhor Edição
Everything Everywhere All at Once
Melhor Maquilhagem e Cabelo
The Whale
Melhor Banda Sonora Original
All Quiet on the Western Front, por Volker Bertelmann
Melhor Canção Original
“Naatu Naatu”, de “RRR” – música por M.M. Keeravaani – letra por Chandrabose
Melhor Design de Produção
All Quiet on the Western Front
Melhor Som
Top Gun: Maverick
Melhores Efeitos Visuais
Avatar: The Way of Water
Melhor Curta de Animação
The Boy, The Mole, The Fox and the Horse
Melhor Curta de Imagem Real
An Irish Goodbye
Melhor Curta Documental
The Elephant Whisperers
*Artigo em atualização