Nos últimos dias, surgiu um imbróglio intrigante. O script de “Barbie”, elaborado por Greta Gerwig e seu companheiro Noah Baumbach, será considerado para a categoria de Melhor Argumento Original ou Adaptado?
Embora a Warner Bros. Discovery tenha defendido a inclusão do argumento do casal na categoria de Original, depara-se com a realidade de que a estrutura não se encaixa nos critérios de elegibilidade da Academia. Mas não se preocupe, eu explico.
Para dar início, é essencial desvendar as nuances entre essas duas categorias. No universo dos Óscares, deparamo-nos com dois tipos de argumento: Melhor Argumento Adaptado e Melhor Argumento Original. O último destina-se a criações totalmente novas, concebidas pelos escritores sem qualquer amarra a fontes externas, além de sua pura imaginação. Já o primeiro, o adaptado, traz consigo uma dinâmica única.
Em um artigo especial para o site brasileiro Cinema em Cena, o jornalista Hélio Flores explica que o termo “original” também muitas vezes é levado ao pé da letra, e são reconhecidos filmes que se destacam pela trama inusitada, reviravoltas, narrativas inesperadas.
Na visão dele, mesmo quando há vencedores com narrativas mais convencionais, como “Gandhi” (1982), “O Bom Rebelde” (1997), “Crash” (2005), “O Discurso do Rei” (2010) e “Spotlight”, o prémio muitas vezes parece ser uma espécie de “consolação” para obras mais ousadas, que tradicionalmente não se encaixam no perfil da Academia.
Ou, em outros casos, a Academia opta por se entusiasmar excessivamente premiando outros filmes, como “Chinatown” (1974), “Um Dia de Cão” (1975), “Pulp Fiction” (1994), “Lost in Translation – O Amor É um Lugar Estranho” (2003) e “Foge” (2017).
Ao aprofundar a discussão sobre o caso “Barbie”, no contexto dos filmes adaptados, é importante salientar que esses têm como base alguma obra preexistente, podendo ser desde uma peça teatral até um livro, ou mesmo uma sequela. Como exemplo, temos “O Segredo de Brokeback Mountain” realizado por Ang Lee, que competiu nessa categoria em 2006, uma vez que sua trama é uma adaptação do conto “Brokeback Mountain” de Annie Proulx.
Outro caso é “Toy Story 3”, de Lee Unkrich, nomeado em 2011, por ser fundamentado em personagens já conhecidos.
Isso não implica que os argumentos adaptados sejam superiores ou inferiores aos originais; muito pelo contrário. Alguns dos filmes de sucesso indicados aos Óscares certamente se enquadram nessa categoria.
Um exemplo é “Top Gun: Maverick”, cujo argumento foi elaborado por Ehren Kruger, Eric Warren Singer, Christopher McQuarrie, Peter Craig e Justin Marks, sendo uma sequela baseada no trabalho original de Jim Cash e Jack Epps Jr.
Outro destaque é “12 Anos Escravo”, com argumento de John Ridley, adaptado a partir do livro memórias de Solomon Northup.
“Assim Nasce Uma Estrela” é inspirado em filmes homónimos de 1937, 1954 e 1976, cujos argumentos foram escritos por William A. Wellman, Robert Carson, Dorothy Parker e Alan Campbell (1937), Moss Hart (1954) e John Gregory Dunne, Joan Didion e Frank Pierson (1976), respectivamente.
“O Pai”, escrito por Florian Zeller a partir de sua própria peça homónima, e “Coringa”, cujo argumento foi elaborado por Todd Phillips e Scott Silver, baseado no personagem e na franquia de banda desenhada de Jerry Robinson, Bill Finger e Bob Kane. Todos são reconhecidos como adaptações de acordo com os critérios da Academia.
Para deixar claro, todos os filmes que sucederam “Toy Story 1” (1993), de John Lasseter, e receberam indicações aos Óscares seriam classificados como adaptados, já que têm como base uma linha de brinquedos e são predominantemente compostos por sequelas.
Isso também se aplica ao filme “Barbie” de Greta Gerwig, uma vez que a personagem Barbie é uma boneca fictícia fabricada pela empresa norte-americana de brinquedos Mattel, Inc., lançada em 9 de março de 1959. A empresária Ruth Handler é creditada como sua criadora, tendo se inspirado em uma boneca alemã chamada Bild Lilli, desenvolvida pelo ilustrador Reinhard Beuthien.
À vista disso, além da linha de bonecas, não podemos esquecer que o personagem também obteve sucesso no cinema, com dezenas de filmes, e na televisão, com diversas séries. Desta forma, neste parágrafo, acredito ter respondido à pergunta do título.
Ainda assim, a situação envolvendo “Barbie” torna-se mais intricada. Enquanto a AMPAS classifica o filme como um argumento adaptado, o Writers Guild of America tem uma visão contrastante. “Barbie” entrará na competição do WGA Awards como um argumento original.
Isso não é algo inédito; por exemplo, a organização rotulou o filme de 2016 “Moonlight” como um argumento adaptado, pois foi baseado em uma peça de Tarell Alvin McCraney chamada “In Moonlight Black Boys Look Blue”, que nunca chegou a ser efetivamente encenada. Apesar disso, “Moonlight” conquistou a categoria e foi considerado um roteiro original pela agremiação.
Em resumo, de modo geral, vencer na categoria de argumento adaptado não se diferencia muito de conquistar na categoria de argumento original; afinal, um troféu do Óscar é apenas um troféu do Óscar, independentemente da categoria em disputa. E nem sabemos se “Barbie” será nomeado.
Conquanto, do ponto de vista estratégico, algumas categorias podem apresentar desafios mais complexos para conquistar a vitória. Se “Barbie” for indicado para Melhor Argumento Adaptado, Greta Gerwig e Noah Baumbach provavelmente enfrentarão concorrentes como “Assassinos da Lua das Flores”, de Eric Roth e Martin Scorcese (baseado em um livro de David Grann), e “Oppenheimer”, de Christopher Nolan (adaptado de uma autobiografia de Oppenheimer intitulada “American Prometheus”).
Nesse ínterim, a categoria de argumento original deste ano provavelmente incluirá produções como “Past Lives”, escrita por Celine Song, e “The Holdovers”, escrita por David Hemingson.
A partir de “The ‘Barbie’ movie is being considered for adapted screenplay. Here’s what that means”, de Leah Asmelash, da CNN