Paulo Pinto é natural do Porto e nasceu em 1984. É realizador, montador, curador do ciclo LER CINEMA e fundador da editora MNEMÓNICA. O Cinema Sétima Arte esteve à conversa com o realizador aquando da estreia do seu último documentário “Maquete ‘92”, na última edição do Festival Curtas Vila do Conde. O documentário, que marca a história de uma das mais icónicas bandas nacionais dos anos 90, os “Turbo Junk I.E”, estará na secção “Transmission”, na actual edição do Festival Porto/Post/Doc, e será exibido a 25 de Novembro, às 18h30, no Cinema Batalha.
Cinema Sétima Arte (CSA): Paulo, como não somos estranhos, acho que vou arriscar e fazer-te as perguntas que gostaria de te ter feito num contexto mais informal. Antes de nos focarmos no teu último trabalho, o documentário “Maquete ‘92” – que estreou na última edição do Festival Curtas Vila do Conde e que estará, em breve, no festival Porto/Post/Doc -, fala-nos um bocadinho sobre como chegas ao cinema. Lembras-te quando e como foi que sentiste que querias dedicar a tua vida ao cinema como realizador?
Paulo Pinto (PP): Lembro-me de pensar que gostava muito de arte em geral. Em 1997, ainda o arquivo deste filme estava a ser produzido, decidi algo que acabou por decidir o meu destino. Nesse ano entrei na Escola Especializada em Ensino Artístico Soares do Reis, no Porto, a “irmã” da António Arroio em Lisboa. Quando escolhi o curso de imagem e comunicação não sabia bem o que iria encontrar. Quando nos referimos a essa época, falamos de um tempo em que muito pouca gente tinha acesso a uma câmara de filmar, analógica ou digital. Os primeiros “smartphones” ofereciam um vislumbre do que viria a ser a massificação do registo da imagem digital. Chegado então ao curso, que incluía o ensino especializado em fotografia, vídeo e multimédia, comecei a ter o primeiro contacto com equipamento que nessa altura só existia praticamente nas televisões e produtoras de vídeo. Mesa de montagem de VHS, câmara com VHS, masters em BETACAM, uma loucura. No último ano do curso chegou um MAC G5. Foi uma excitação para toda a escola, uma revolução. Essa ferramenta foi muito importante para tudo o que viria a seguir na minha vida. Nesse computador montei o meu primeiro documentário. Foi no fim do 3º ano do curso que decidi que não queria fazer mais nada senão cinema e fotografia.
CSA: Que momentos da tua carreira como realizador consideras que foram os mais importantes para ti?
PP: Há muitos momentos que recordo como sendo importantes. Em todos os trabalhos que realizei aprendi algo. Estamos sempre a apender, seja com as pessoas que nos ajudam na investigação de algum tema, seja na forma de produzir… Se tivesse que escolher um momento, posso dizer que foi quando realizei uma curta metragem com o apoio do realizador iraniano Abbas Kiarostami.
CSA: Não sei se concordas comigo, mas acho que existe um denominador comum entre cineastas e cinéfilos, tanto na forma como vemos um filme como durante o processo de realização: o amor a alguns mestres do passado e do presente que nos ajudam a criar novas formas de olhar para o cinema. Tens realizadores e filmes que consideres que foram importantes na tua vida e que se tornaram fontes de inspiração sempre que filmas algo?
PP: Não sei se considero denominador comum ou apenas algo que nos aproxima. Pensar em cinema é diferente da forma como pensamos na realização de um filme. Não é só a história e a imagem e o som que fazem o filme. Os mestres do cinema ensinaram-me muito, principalmente na área documental. Abbas Kiarostami, Werner Herzog, Agnes Varda são algumas das pessoas que segui religiosamente e que analisei com muita atenção a forma como contavam as histórias, cada um com a sua forma muito peculiar de realizar. Estas seriam as minhas grandes referências e influências. Como filme de referência, penso sempre em muitos… É muito difícil escolher um só. Sem querer “matar” todos os outros bons filmes que vi, posso dar apenas como referência o filme “GABBEH”, do realizador Mohsen Makhmalbaf, não por ser um filme genial, mas porque foi o primeiro filme que vi quando cheguei ao curso da Soares do Reis.
CSA: Sei que tiveste oportunidade de trabalhar com um realizador que admiro muito, mas que, infelizmente, já não se encontra entre nós, o iraniano Abbas Kiarostami. Conta-nos um pouco sobre o que ficou em ti dessa experiência.
PP: Não sei se consigo colocar em palavras o que aprendi. O que ele nos ofereceu foi um conhecimento que mais facilmente é transmitido em imagens, escolha de localizações, montagem da narrativa. Tal como referi, foi uma experiência única, com um realizador que sempre admirei e quando me cruzei com ele em Barcelona foi fantástico. A sua visão mais filosófica do que cinematográfica da vida, talvez das duas, mostrou-me um detalhe que eu ignorava, o silêncio. Assisti também à sua realização de uma curta metragem. O processo foi muito simples, como só um mestre como ele conseguia fazer. Convidou um saxofonista que tocava na rua “ao chapéu”. Levou-o até à praia de Barceloneta e pediu-lhe que quando o mar estivesse a vir na sua direção com ruído, tinha que o ouvir. Quando o mar recolhia em silêncio, ele tocava. Foi toda uma aula de poesia.
CSA: Esta pergunta talvez seja demasiado académica, mas aqui vai: sentes-te mais próximo do documentário ou da ficção? Acreditas nesta separação? Sei que já trabalhaste com ambos os géneros.
PP: Sou definitivamente realizador de documentários. Não sou um realizador de ficção. Acho que quando escolhemos o papel a seguir no cinema, o fazemos porque a forma de explanar narrativas é muito concreta e específica. Não acredito na capacidade de fazer tudo bem. Por vezes sou obrigado a cumprir várias funções, como no MAQUETE, porque foi um filme com muito baixo orçamento, maioritariamente suportado pela minha produtora Matéria Triangular. Reconheço os pontos fracos no filme, mas não consegui fazer melhor. Em geral, cada área deve estar entregue a quem faz dessa função vida, ou sempre que possível.
CSA: O teu último filme, “Maquete ´92”, é um documentário e teve a sua antestreia na mais recente edição do festival de cinema “Curtas Vila do Conde”. O filme conta a história da banda “Turbo Junk I.E.”. Banda fundada pelos irmãos Praça (Paulo, Simão e Domingos) e que, quando apareceu, nos anos 90, conseguiu injectar bastante energia na vida cultural vilacondense. Como é que surge a ideia de fazer este documentário?
PP: Foi no ano de 2015, em Vila do Conde, durante uma conversa com o músico Simão Praça. Sempre ouvi falar muito da banda desde que cheguei a Vila do Conde em 2004, mas nunca os tinha visto ao vivo. Pedi para ver o arquivo deles e imediatamente surgiu a ideia de fazer este filme. Para além de Vila do Conde, onde influenciaram muitos músicos (e aprendizes) a arriscar e a criar uma banda, percorreram o país todo durante os 9 anos de banda. O trocadilho de “injetar energia” é muito bom.
CSA: O filme vive muito do trabalho de montagem. Nota-se que recorreste a (bastante) material de arquivo (vídeo, fotografia, entrevistas). Foi difícil para ti ter acesso a este material?
PP: O filme é feito praticamente só com material de arquivo (imagem e som). A banda tinha muito arquivo. Posso mesmo dizer que foram uns privilegiados porque tinham fotógrafos como o Cesário Alves (que convidei para diretor de fotografia do filme), Margarida Ribeiro, Rui Pinheiro, João Brites ou videastas e artista como o Zé Pinheiro (Pop-off), Nuno Tudela, Francisco Laranjeira, Filipe Laranjeira, Pedro Correia, Sandro Duque e muitas outras pessoas, sempre a orbitar à volta da sua loucura (ou a fazer de conta que ela existia). Algum deste material estava nas gavetas e tive a sorte de contar com a energia de muitas destas pessoas para irem às arcas e gavetas que estavam fechadas e sacar daí cassetes, fotografias e obras de arte que foram criadas em torno dos TURBO. Dois do elementos mais importantes para o filme foram o arquivo registado pela câmara handycam que ganharam num concurso em 1995, com o qual registaram quase 70 horas de imagem, e as fotografias. O último registo de arquivo que encontrei foi em Novembro de 2022. Uma entrevista gravada em cassete na XFM com o António Sérgio, em Lisboa, durante uma ida à capital em 1997 para uma homenagem a Jimi Hendrix.
CSA: Imagino que para fazer um documentário com imagens de arquivo, quanto maior for a quantidade de material que se tem em mãos, mais difícil será fazer as escolhas daquilo que irá compor o filme. Como é que foi o teu processo de escolha: entre todo o material que tinhas disponível, a história que querias contar e a duração que tinhas em mente para o filme?
PP: Tenho perto de 20 timelines com versões diferentes do filme. Foram 7 anos a dar voltas à montagem. Incluir material que tinha já retirado, a encontrar mais uma fotografia, mais uma entrevista por telefone… Foi um processo caótico, mas ao mesmo tempo teve um critério. Não sei bem qual foi, mas existiu. Sempre me dei bem no meio do caos.
CSA: O cinema é feito para ser visto. O teu documentário já foi exibido em alguns dos mais importantes festivais nacionais de cinema: em Julho, esteve no Curtas Vila do Conde e, em Novembro, estará no Porto/Post/Doc. Sentes que o filme está a ter a visibilidade que deveria? Existem perspectivas de ele ser exibido em festivais além-fronteiras?
PP: Fomos recebidos de braços abertos pelo festival de Curtas de Vila do Conde para a antestreia. Tinha que ser visto ali pela primeira vez, não fazia sentido ser em outra localidade. Ser no festival onde tanto aprendi sobre cinema foi ainda melhor. Quando soube que tinha sido selecionado para a secção TRANSMISSION do PORTO POST DOC fiquei muito contente. Como realizador, obviamente, mas muito mais pelo filme. Saber que o MAQUETE vai ser visto pelo público de um festival com uma curadoria tão acima da média é uma grande alegria. É um festival que, talvez por ser jovem, não tem alguns vícios que prejudicam o acesso a grandes (?) festivais deste país tão pequeno. Já enviei para outros festivais e estou à espera de resposta. Sobre “festivais além fronteiras”, já estou a preparar a submissão a alguns festivais que se dedicam tanto ao documentário, mas principalmente ao tema da música.
CSA: O que sentiste quando soubeste que tudo se conjugava para conseguires terminar o documentário, estreá-lo no Curtas Vila do Conde, sabendo que esse era o momento em que os “Turbo Junk I.E.” voltariam aos palcos para dar um concerto na terra que os viu nascer?
PP: Fiquei muito contente pela banda porque sabia que esperavam há 20 anos uma razão para se voltarem a juntar. Como quase tudo nos anos 90, o tipo de música que faziam deixou de fazer sentido. O público para esse estilo de música que faziam foi parar a outras estações sonoras.
CSA: Já estás a trabalhar em algo novo ou já tens algum futuro projecto?
PP: Estou a trabalhar na pré-produção de um documentário sobre o Padre Himalaya e na escrita de outros dois documentários.
Paulo, obrigado por nos concederes esta entrevista.