25 de Abril

Pedro Santos: “não me lembro de viver sem cinema”

Pedro-Santos Pedro-Santos

O Cinema Sétima Arte entrevistou o realizador e argumentista Pedro Pires dos Santos, de Coimbra. Desde o seu primeiro impulso para fazer cinema, aos 15 anos, até ao seu mais recente projecto, a mini-série “Piranhas Assassinas”, Pedro falou-nos um pouco sobre o seu percurso, enquanto criador. O Cinema Sétima Arte não ficou indiferente à sua energia e força criativa e convidou-o a preencher um bocadinho do nosso espaço virtual para poder dar-se a conhecer melhor, na sua dimensão pessoal como profissional.

Pedro, tens 24 anos e já possuis um currículo vasto para alguém com tão tenra idade. Quando e como surgiu a decisão de dedicares a tua vida ao cinema?

Muito obrigado. Para mim, nunca houve opção na verdade. Não é que me tenham apontado uma arma à cabeça e tenham-me forçado a tentar isto. Nada disso. Mas existe poucas coisas que me dêem significado. Se isto não der certo, prefiro trabalhar numa biblioteca, sossegado. Sei que não é a melhor explicação do mundo. Nem a mais eloquente. Mas acabaste de atingir um nervo central da minha identidade. É que eu não me lembro de viver sem cinema.

Escreveste e realizaste o teu primeiro filme, a curta-metragem “Fu Hands”, com apenas 15 anos. Em 2015, com 17 anos, quiseste elevar um pouco a fasquia e escreveste e realizaste a longa-metragem, ”Uma volta, pelo parque”. E, em 2019 recebeste o prémio Novos Talentos FNAC, com a curta-metragem “If only wet rice would grow bigger with floods, don’t you think?”. Confesso-te que me fascinam estes impulsos tão precoces e tão urgentes para fazer filmes. Despertam-me imensa curiosidade por serem fruto de uma energia e paixão muito puras. Fala-nos um pouco dos teus primeiros filmes: como surgiram esses primeiros impulsos, as ideias, como conseguiste levá-los a cabo e produzi-los? Qual o significado, para ti, de teres uma curta-metragem premiada?

Acho que os valores dos prémios são transitórios. São produtos do seu tempo e acima de tudo, do acaso. Então tive muita sorte. Claro que ser premiado é muito bom. Mas acho que quem ficou mais feliz foi o meu avô., pois foi ele quem ficou com o prémio, numa estante, junto à televisão. (risos) E acho que é essa a verdadeira função dos prémios: partilhar conquistas, que normalmente são do foro íntimo e pessoal. Nunca fui muito de celebrar. Não porque as pessoas não se interessam, mas porque há muito mais a ocorrer na vida do que o nosso trabalho… embora hajam dias que é só isso que nos passa pela cabeça. Aliás, foi a minha noiva que me ensinou a celebrar quando cumpro com um objectivo. Por isso, ainda ontem, eu e a minha noiva celebramos com a leitura de um episódio que escrevi, traduzido pelo google tradutor, para português-inglês.  Bem, mas espera aí, isso não é bem uma celebração? (contextualizando: a minha noiva é filipina e a nossa língua em comum é Inglês!)

Quanto ao meu trabalho, acho que descreveste isso muito bem: impulsos! Creio que foi o Kurosawa quem disse que, nos seus filmes, só haviam uns 10 segundos de cinema puro, e que o impulso inicial de fazer um filme começava com uma imagem que despertava toda uma narrativa.  Sempre achei isso fascinante. Quanto a mim, primeiro, veio sempre o impulso de criar.

Acho que a maior contribuição para a minha literacia foi ver filmes americanos (do Tony Scott, Al Pacino, etc..) desde muito cedo, mesmo antes de saber ler e escrever. Depois, replicava o que tinha deduzido da narrativa com os meus carrinhos e figuras de soldados que tinha lá em casa. E claro, também jogava computador. Lembro-me de jogar um jogo complicadíssimo para uma criança analfabeta que é uma espécie de simulador militar (hoje em dia chama-se ARMA) e que ainda hoje, ironicamente, não sei jogar aquilo como também me mantenho quási-analfabeto.

Voltando ao assunto, ligo isso muito ao meu impulso de criar. Também passava mais tempo a inventar jogos, na pré-primária e primária, do que outra coisa. Talvez por necessidade. Porque se virem uma foto minha vão ver logo que não jogo futebol. E agora vou dizer uma coisa não muito cinéfila: foi aos 12 anos, acho, que decidi que queria ser realizador de cinema ao ver um trailer muito bem feito. Mas vamos lá admitir, os trailers são quase uma forma de expressão em si. Uma sugestão que vos faço é verem o filme “O Assassinato de Jesse James pelo cobarde de Robert Ford” e depois o trailer – é uma experiência complementar, como um poema.

Nessa tenra idade, já ia gravando sketches de comédia com os meus vizinhos. Ia tentando fazer umas curtas, mas sem muito sucesso. Então foi aos 14 / 15 anos, numa formação de cinema, que tive o prazer de me cruzar com duas pessoas fundamentais no meu trajecto cinematográfico: Sheisa e Alan Bittencourt. Esse casal teve a amabilidade de reconhecer em mim qualquer coisa (não faço ideia o quê). Tiveram a (santa) paciência de produzirem a minha primeira curta-metragem a sério. Demorou 15 dias a ser filmada e está toda em Mandarim, falo da curta “Fu Hands”.

Esse filme é sobre uma rapariga que é ferida na mão, durante uma guerra e foge para as montanhas onde é treinada e curada por um mestre de Kung Fu. Mas o fio da narrativa perde-se na curta, em parte porque eu tentei adaptá-lo aquilo de um enorme rascunho de cento e tal páginas, isto porque ambiciono, sempre, criar filmes que requerem mais do que a passividade habitual de ver um filme. Mas isso é muito difícil de se fazer. Coisa que não entendia na altura. E ainda hoje tenho essa tendência na minha escrita. Uma falha que eu tenho é que parece que há um medo em ser-se entendido.

Enquanto ia acabando de filmar o “Fu Hands”, já estava a preparar outra curta. Estava mesmo armado em realizador de Hong Kong, a tentar fazer dois filmes ao mesmo tempo. Mas acho que é assim que se pode resumir o meu impulso para criar, que também é paralelo à minha curiosidade. Um alimenta o outro. É nunca estar parado – ou a ler, ou a fazer. Hoje em dia, o meu processo já é muito mais lento. De propósito. Escrevo à mão e fico logo desconfiado quando escrevo demasiadas páginas por dia.

Uma nota. Há pouco tempo revi o “Fu Hands” com um amigo e apesar de ser uma confusão total – aquilo até tem o seu charme…

Estas experiências que fui acumulando – rascunhos de centenas de páginas, curtas, sketches, etc. – deram-me a confiança para filmar uma longa-metragem de 80 minutos, intitulada “Uma volta, pelo parque”, que é um filme sobre um jovem que deve vinte euros a outra pessoa. É uma espécie de épico exagerado sobre um assunto muito pequeno. Lembro-me até de basear aquilo num paper sobre a perspectiva cultural sobre o falhanço. Achei adequado porque todos os meus projectos até à altura tinham sido isso mesmos: falhanços.  Se o filme não resultasse, podia sempre dizer que era esse sempre o objectivo do filme!

Fazer o filme foi uma experiência complicada. Foram muitos meses a escrever, 25 dias de filmagem e uns largos meses de edição. Acabei por assumir três papéis: argumentista, realizador e editor. O filme ocupou maior parte do meu tempo, desde os meus 17 até aos 20 anos. A parte engraçada do projecto é que foi bastante tortuoso. Lentamente, durante o processo, ia-me apercebendo do desastre colossal daquilo que estava a fazer. Exactamente como um comboio a descarrilar em câmera lenta em que eu era o condutor e o resto das carruagens continham a minha dignidade e o meu orgulho.

Por exemplo, quando estava a filmar, ia-me apercebendo que as cenas não faziam muito sentido ou não estavam muito boas. Quando estava a editar, via que a realização estava muito fraquinha. E quando, passado um ano, mostrei o filme aos actores… bem, o silêncio fala sempre mais alto.

Foi uma grande escola, esse filme. Depois, entretanto, acabei por mudar-me para o Vietnam, onde fiz duas curtas-metragens, uma delas que ganhou o tal Prémio FNAC.

Essa experiência já foi diferente. Só eu e a minha câmera, numa viagem que fiz a uma província, perto de Hà Noi, que coincidiu com uma das maiores cheias, em 25 anos. Encontrei os agricultores num frenesi, a tentar colher o máximo de arroz possível, antes que a água destruísse tudo. Aí fui muito inspirado no cinema de Joshua Oppenheimer – para mim um ponto de referência muito importante.

Segui duas famílias, com duas visões bem diferentes a defender sobre aquela cheia, e tentei construir uma narrativa em torno disso. O processo é o normal: viver com as pessoas o seu dia-a-dia, até se esquecerem que está ali uma câmara. A edição é que é muito complicada. Pois aquilo, à primeira, parecia não ter conexão nenhuma.

Trabalhaste, em 2018, na “Jump Cut”, com Miguel Gonçalves Mendes, como assistente de produção (part time). Esta oportunidade de poderes trabalhar ao lado de um realizador português tão experiente, como o Miguel, abriu-te novas portas para a tua carreira pessoal enquanto realizador?

Eu considero o Miguel uma anomalia no cinema português. Isto no bom sentido, claro. Tem um instinto, uma sensibilidade comercial única e uma dedicação, quase kamikaze, de tudo ou nada nos seus filmes. É também uma pessoa derradeiramente honesta que não tem problema nenhum em destruir as nossas pretensões. Uma das qualidades mais admiráveis dele é que é muito generoso e altruísta. Infelizmente, devido a um mau timing e outros factores, quando me foi oferecida uma posição full time, já estava marcado ir para Inglaterra, trabalhar em cinema.

Mas acrescento isto. Eu conheci o Miguel quando andava a chatear todas as casas de produção em Lisboa, com um guião que tinha escrito “Às 11 Jantam Os Espanhóis”. Foi uma experiência engraçada, que me abriu muito os olhos para o funcionamento da nossa indústria nacional. Mas isso aí, já seria outra história.

É difícil para um jovem cineasta conseguir hoje apoios financeiros para os seus projectos cinematográficos? Como olhas para a situação actual sobre esta questão? Que soluções achas que poderiam ser implementadas para fomentar as produções nacionais?

Já concorri várias vezes, mas nunca consegui nenhum… Pessoalmente, eu quero que o meu projecto seja financiado porque, primeiramente, me parece bastante viável a nível comercial. Como todas as outras indústrias, o cinema deve subsistir financeiramente. Claro que há excepções, mas isso deveria ser a norma. Bergman, Godard, Antonioni eram todos realizadores comerciais, que trabalhavam sob pressão dos seus produtores, e que tinham de cumprir com certas metas ou então sofriam consequências na sua carreira.

Em Portugal, há muito trabalho a fazer. Mas seria importante reconquistar a confiança do público português – através de filmes como o Pedro e Inês, Variações, entre outros. Outra medida importante seria implementar um sistema por quotas (como houve no cinema da coreia do Sul) em que certa percentagem da receita do cinema nacional tem de reverter para a produção de filmes nacionais. Depois é dar a oportunidade a empresários e empresas de investirem em cinema e séries, em troca de uma carga fiscal menor. Mas a maior oportunidade é mesmo a de nos internacionalizarmos. Somos a sétima língua mais falada no mundo, e por isso faz sentido estarmos mais próximos, culturalmente, da França do que os outros países que falam a nossa língua? Eu acho que não. Há tanta oportunidade em reconstruir relações. E isso começa com um simples passo: despretensão.

E em relação a novos projectos?

Obrigado por fazeres esta pergunta. Neste momento estou a criar uma série “Piranhas Assassinas”. Para contextualizar, visto que isto é uma revista de cinema, estamos a copiar o modelo dos Spaghetti Westerns: produções Italianas, filmadas em Espanha, para os EUA. A nossa produção, vai apontar mais para o mercado do Brasil, não excluindo os outros países, como é óbvio.

Basicamente, é uma série antológica (cada episódio é como um filme de 30 minutos) sobre um grupo de meninas que combatem o crime no Brasil.… mas em vez de tornarem as coisas melhores, acabam por lançar o país numa espiral de caos e anarquia.  Uma espécie de Charlie’s Angels invertido.

Sem dar muito spoiler, o coração da série centra-se na relação das meninas com o seu El Capitán Hernandez, um tipo misterioso, de origem Cubana, que as recrutou. Essa relação vai se degradando progressivamente, enquanto fazem missões de todo o tipo, pelo Brasil. Por exemplo, o Piloto da série é “Revolução Pro Povinho” onde elas vão libertar agricultores bolivianos que estão a ser explorados por um fazendeiro racista e sexista, Silva LeTout. Claro que depois, nada acontece como esperado. Mas não me arrisco a dizer mais.

Esta série tem um enorme potencial comercial. Também é muito budget friendly, onde cada episódio se passa numa única localização. Estamos agora a dar a conhecer às pessoas a série através do site: www.piranhas.show. Também temos um Fake Trailer. De momento, estamos a falar com produtores. Mas é só isso que posso revelar.

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