25 de Abril

“Pobres Criaturas” – Pobres de Nós!

"Pobres Criaturas" (2023), de Yorgos Lanthimos, com Emma Stone e Mark Ruffalo "Pobres Criaturas" (2023), de Yorgos Lanthimos, com Emma Stone e Mark Ruffalo
"Pobres Criaturas" (2023), de Yorgos Lanthimos, com Emma Stone e Mark Ruffalo

Como falar de tantos problemas sem falar neles directamente? Essa é a ciência de Yorgos Lanthimos no seu mais recente filme “Pobres Criaturas”. Na agenda do realizador grego desde 2009, tendo já antes abordardo o romancista escocês Alasdair Gray sobre a adaptação do seu romance de 1992 com o mesmo nome. É uma obra cinematográfica que mergulha profundamente na condição humana, explorando temas delicados e emocionais com uma abordagem sensível e envolvente. A cinematografia do filme é uma peça fundamental nessa experiência, capturando nuances e emoções de maneira magistral.

O filme começa com uma mulher grávida que se atira de uma ponte. Um cientista pouco ortodoxo chamado Dr. Godwin Baxter (Willem Dafoe) encontra o cadáver e decide trazê-la de volta à vida, ao estilo do Dr. Frankenstein. À medida que a cena cirúrgica se desenrola, o cérebro da mulher é substituído pelo cérebro do feto. Para a surpresa de Godwin, Bella cresce e desenvolve-se a um ritmo anormalmente rápido. É realmente extraordinário ver Emma Stone retratar um bebê no corpo de uma mulher de 35 anos. O argumento de Tony McNamara traça astuciosamente o processo de crescimento de Bella, desde a maneira como ela anda, reage às coisas e como ela vê o mundo. Stone dá vida a todos esses aspectos com tanta coragem que, segundo ela, exige que ela basicamente desaprendesse coisas e deixasse de lado qualquer sentimento de vergonha que viria naturalmente de se comportar como Bella. O assistente de Godwin, Max McCandles (Ramy Youssef), fica intrigado com Bella e rapidamente se apaixona por ela, a ponto de querer se casar com ela. Há um toque de humor ao vermos o pobre Max sendo constantemente desafiado pela descoberta sexual de Bella e a sua total falta de decoro numa sociedade educada.

Como forma de criação de arte, “Pobres Criaturas” é realmente um dos filmes mais criativos e bonitos dos últimos tempos. Candidato extremamanete forte a prémios de Direção de  Fotografia (Robbie Ryan), figurinos deslumbrantes (Holly Waddington) e design de produção magistral (Shona Heath, James Price). Ryan usou lentes grande angulares e olho de peixe com ótimo efeito, tornando o mundo ainda mais surreal e desequilibrado. Mistura de preto e branco, que significa a vida monótona e protegida de Bella, e as cores vibrantes enquanto ela explora mais o mundo. A paleta de cores escolhida pelo diretor de fotografia cria uma atmosfera única que reflete os altos e baixos emocionais dos personagens. A utilização de planos detalhados e composições cuidadosas contribui para a construção de uma narrativa visualmente cativante, elevando a estética do filme. Stone num dos melhores papéis da sua carreira é completamente envolvente do início ao fim, a maneira como ela usa seu corpo para mostrar a evolução de Bella é surpreendente. Outro personagem fantástico é Godwin, interpretado por Willem Dafoe, sem nada a provar de novo na sua carreira. Surge-nos com o rosto rachado como um objeto de cerâmica, uma espécie de máscara, resultado de cruéis experiências científicas feitas por seu falecido pai quando ele era jovem. A história do seu personagem é quase tão intrigante quanto a de Bella e deixa-nos quase a ansiar pelo seu prórprio filme.

É o filme mais completo e controlado de Lanthimos, onde cada peça se encaixa de maneira totalmente satisfatória. Há uma elegância e graça incomuns no filme agradavelmente caótico. A cinematografia eclética de Robbie Ryan é paralela à jornada de Bella, e embora Lanthimos se concentre na carnalidade da jornada de Bella, não há nada de vulgar ou grotesco em “Pobres Criaturas” mesmo nas cenas de maior cariz sexual. A sexualidade não é um dos elementos concebidos com o fator de choque em mente. Bella descobre o prazer sexual como a maioria de nós – por acidente, por exploração e experimentação. Embora Duncan (Mark Ruffalo) rapidamente se transforme no vilão do filme, é fácil ver por que Bella fugiu com ele. Duncan trata Bella como ela mesma, em vez de um fenómeno experimental de laboratório ou uma criança que precisa de cuidados parentais. Em “Pobres Criaturas”, Emma Stone cria um retrato rico de uma menina e de uma mulher, tentando encontrar a si mesma e o seu lugar no mundo caótico e violento ao seu redor. E enquanto isso, uma tendência de auto-capacitação feminista ecoa ruidosamente por baixo da narrativa, já que Bella é capaz de ver o mundo de uma forma nova, livre dos ditames patriarcais da época. Um momento luminoso é quando Bella descobre a masturbação e logo descobre que não se cansa dela. Dr. Godwin (ao qual Bella trata por Deus) quer que ela se case com estudante e aprendiz de medicina, Max (Ramy Youssef), mas ela foge impetuosamente com o advogado desprezível, Duncan Wedderburn.

Ainda é uma pena que a maioria das histórias sobre mulheres pareçam ser atribuídas aos homens para serem contadas, mas “Pobres Criaturas” demonstra que Lanthimos tem um profundo conhecimento do seu ofício e de contar histórias, ele consegue equilibrar a sensibilidade com a crueza da realidade, proporcionando uma experiência cinematográfica que ressoa com o público. Este é um filme que deixa uma marca duradoura e é realmente um filme magistral, um dos favoritos para o melhor do ano.

"Pobres Criaturas" (2023), de Yorgos Lanthimos, com Emma Stone e Mark Ruffalo
“Pobres Criaturas” – Pobres de Nós!
Classificação dos Leitores9 Votes
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