O Dia Internacional da Mulher, celebrado a 8 de março, assinala a luta social, política e económica das mulheres. Também no Cinema, a representação e representatividade da mulher é ainda um direito em aquisição. Solidárias nesta demanda, a organização do Festival Porto Femme – que segue em 2023 para a sua 6.ª edição – partilhou com o Cinema Sétima Arte a sua ação no terreno.
(CSA) O Porto Femme chegou à marca das cinco edições. Recuando no tempo, como é que esta iniciativa ganhou forma e qual foi a principal motivação que vos levou a criar o festival? (Rita Capucho) A ideia para o Porto Femme começou numa conversa entre mim e a Ana Catarina Pereira, onde a partir de um mapeamento que ela havia feito sobre os festivais de cinema em Portugal, se concluía – isto em 2012 – que não havia nenhum festival de mulheres em Portugal, sendo que noutros países havia vários, como por exemplo o francês “Films de Femmes” de 1979, um dos mais antigos e ainda em atividade. Nessa comunicação, a Ana Catarina desafiava mesmo a que um tal festival fosse criado, para que se contrariasse a invisibilidade das mulheres que vinha a acontecer ao longo da história do cinema, e o facto de não haver um espaço em Portugal onde se pudesse divulgar o trabalho que elas têm vindo a realizar. Por várias condicionantes e outros projetos, este ficou em standby, até que, mais tarde, numa conversa com a Ana Castro (co-diretora do festival) decidimos reativar a ideia. Em 2015, ano em que começamos a preparar e a pensar o que seria este Festival de Cinema, éramos quatro elementos (nós as duas, a Ana Catarina Pereira e a Érica Faleiro). Nessa altura já existia um Festival de Cinema de Mulheres que tinha nascido em 2014, o “Olhares do Mediterrâneo | Women’s Film Festival“, sediado em Lisboa, mas ainda assim continuava a fazer sentido ter um festival mais alargado a nível internacional e, por uma questão de descentralização cultural, que esse festival fosse realizado no Porto. Em Janeiro de 2016 criamos a associação que está por detrás do Porto Femme, a “XX Element Project – Associação Cultural“, delineamos um plano estratégico a longo prazo e, em 2017, implementamos as primeiras atividades do projeto onde se incluem as sessões de cinema mensais no espaço dos Maus Hábitos, que se mantêm a decorrer, sempre a cada última quarta-feira do mês. Uma grande parte dos nossos filmes são filmes que abordam as temáticas circundantes aos direitos das mulheres e isso é um aspeto que marca a curadoria do projeto.
Que balanço fazem destas cinco edições? O balanço é positivo, temos recebido bons comentários das realizadoras que passam pelo festival, gostam da programação e do ambiente que se vive o que para nós é importante pois o festival é realizado em grande parte para elas. Em termos de público também temos vindo a crescer, os comentários são igualmente positivos, muitas vezes as pessoas são surpreendidas pelas temáticas e descobrem ali novas reflexões que não tinham ainda feito. A grande luta continua a ser o financiamento institucional, mas neste momento vamos para o Batalha Centro de Cinema e isso é algo que nos deixa muito felizes, poder estar nesse magnífico espaço da cidade do Porto. Também tem sido muito positivo o nível de generosidade que temos recebido por parte de todas as pessoas que já fizeram, fazem e que voluntariam o seu tempo para que o festival possa acontecer, sem elas não seria possível chegarmos à 6.ª edição.
Para além da exibição de filmes, o festival proporciona outras atividades e encontros. O que podemos esperar em 2023? Diferenciamo-nos por apostar numa competição nacional e internacional, depois adicionámos também a competição estudantes, pois queremos que o Porto Femme acolha e divulgue o trabalho de jovens realizadoras, e, mais recentemente, criámos a competição temática onde a cada edição direcionamos o foco para um tema específico. O festival tem outras atividades para além da competição de filmes, tais como os tributos e homenagens que temos vindo a prestar a cineastas e atrizes, portuguesas e não só. Achamos importante ter este momento de celebração de obras e carreiras, é a nossa forma de lhes prestar o devido reconhecimento por aquilo que deram ao cinema. Este ano vamos homenagear a atriz Adelaide Teixeira, fica aqui a revelação em primeira mão! Além disso também temos a habitual zona de exposições onde, desde a 1.ª edição, damos espaço a artistas para exibirem e promoverem os seus trabalhos, assim como o espaço de formação orientado por mulheres de diversas áreas. Este ano teremos, entre outras, oficinas sobre “Preparar uma Candidatura para Concorrer a Financiamentos Audiovisuais”, ministrado por Andreia Nunes e uma outra sobre “As Multiformas Possíveis do Eu no Cinema”, orientado por Maria Clara Escobar.
Qual a vossa visão sobre a atualidade, no que respeita ao papel e à expressão das cineastas, em geral, e em particular em Portugal? Olhando para os números que surgem de estudos realizados em diversos países, mantém-se uma desigualdade no setor do cinema, se olharmos a números europeus verificamos que apenas 22% dos filmes são longas realizadas por mulheres. Se também olharmos para os EUA, dos filmes com maior bilheteira apenas 8% são de realizadoras. Em breve, em Portugal também teremos esses dados, através da recentemente criada associação MUTIM – Mulheres Trabalhadoras das Imagens em Movimento. Nós em parceria com esta associação estamos a desenvolver um estudo sobre a situação da mulher no panorama audiovisual português e vamos ter números concretos aqui em Portugal, e certamente que não serão muito diferentes da maioria dos cenários dos outros países. Preocupa-nos que não haja esta igualdade de género no setor, a nível salarial, a nível de acesso aos financiamentos, e preocupa-nos que por causa disto o cinema e o público percam também essas narrativas e histórias que trazem outra representação da mulher para além da representação mais típica enquanto mães, amantes, etc.
O que pode ser feito para colmatar as desigualdades no meio e incentivar a produção no feminino? Este estudo de que falei irá certamente dar essas indicações e orientações, e a Associação MUTIM terá um papel ativo na mudança do paradigma. Mas passará por certo por políticas públicas, por haver quotas em júris, quotas nos apoios e isso também irá tornar as produções mais plurais, diversificadas e representativas.
Estamos a celebrar o Dia da Mulher. Que cineastas e filmes de mulheres nos podes recomendar? Recomendo vários. O primeiro estreia agora em março nas salas portuguesas, “O que podem as palavras” da Luisa Sequeira, sobre três Marias, três mulheres julgadas por um livro que publicaram, mas que foi censurado pelo Estado Novo. Recomendo também dois filmes que falam sobre a questão do aborto, um que também vai estrear em breve, o “Call Jane” de Phyllis Nagy, e no seguimento o filme “O Acontecimento” de Audrey Diwan – ambos muito marcantes e fortes, sobre uma das maiores lutas das mulheres, o direito de decidir sobre o seu próprio corpo. Temas que não podiam ser mais atuais quando vemos o retrocesso, em alguns países, daqueles que eram já direitos conquistados. Outro filme realizado por uma mulher, “A Filha Perdida” de Maggie Gyllenhaal, que nos fala sobre a maternidade, é um poderoso retrato sobre esta perfeição que é tantas vezes imposta às mulheres. Além desse também indico o filme “Aftersun” de Charlotte Wells, um filme lindíssimo e profundo sobre memórias de infância.
O que te parece o facto de a realizadora Chantal Arkeman ter um filme seu no primeiro lugar da Lista dos Melhores Filmes de Sempre? Fico feliz, estão a acorrer mudanças! Seria importante a história do cinema também ser reescrita, e sê-lo por mulheres, porque assim teríamos conhecimento de todas as mulheres que fizeram parte da história e que não são referenciadas nos livros. Temos vindo a ver alguma e gradual consciencialização nos festivais de cinema, alguns começam a ter quotas para realizadoras, e isto é um sinal de consciência, de reconhecimento de que a situação não era justa, e que ações são necessárias para a mudança das sociedades, em particular neste setor.