25 de Abril

Porto/Post/Doc 2024: Edição dedica-se a sonhar uma nova utopia para uma Europa em declínio moral

O festival exibirá um programa de seis filmes, propondo uma reflexão sobre uma nova Europa e os valores humanistas indispensáveis para uma nova utopia
OS FILMES MAIS ESPERADOS DE 2019 6 1 OS FILMES MAIS ESPERADOS DE 2019 6 2
"The Ascent" (1977), de Larisa Shepitko

Há cerca de 80 anos, a Europa tentou enterrar alguns de seus piores fantasmas – o autoritarismo, a intolerância totalitária e supremacista, o fascismo – e eis que, em pleno século XXI, eles têm ressurgido de forma assustadora em vários de seus países.

Ao contrário dessa ascensão extremista, A Europa Não Existe, Eu Estive Lá, o programa temático do Porto/Post/Doc 2024, que decorre de 22 a 30 de novembro no Porto, propõe escavar e trazer à superfície um contraponto a esse Velho Mundo em decadência moral e política.

Partindo do ensaio “Uma ideia da Europa”, de George Steiner, que defende que o DNA europeu se formou à volta de uma “diversidade linguística, cultural e social, um mosaico pródigo que frequentemente transforma uma distância banal, de 20 quilómetros, numa divisão entre mundos”.

E, em tom de provocação, afirma que – num continente marcado pela intolerância a imigrantes e refugiados, assim como pela proliferação de regimes autocráticos de extrema-direita – esse ideal romântico deixou de existir.

Num programa de seis filmes – oriundos de diferentes países do continente, em contextos históricos diversos, desde 1928 a 2024 – o festival propõe-se sair em busca de uma nova Europa e dos valores humanistas que permitam sonhar uma nova utopia.

Mais do que uma coleção de filmes, A Europa Não Existe, Eu Estive Lá é, assim, um programa que pensa o cinema com uma consciência política e ética, como uma tese em defesa da multiculturalidade, capaz de contribuir para a discussão coletiva sobre a construção de uma sociedade possível a partir das diferenças.

Seis filmes unidos pela ideia de busca

Em “The Song of Others”Vadim Jendreyko retraça a história do continente até às suas origens na mitologia grega, na qual a ‘Europa’ é essa mulher que dá origem a uma sociedade matriarcal. Milénios depois, entre um continente patriarcal e belicista, o filme talvez encontre a poética da Europa, ou quem sabe uma Europa poética, na figura de um ex-militar sérvio que defendeu a Bósnia no sangrento conflito dos anos 1990 e, décadas depois, conversa com o realizador alemão, em francês, sobre o amor.

O convite a ouvir “a canção do outro” feito por Jendreyko é levado à letra por Tony Gatlif em “Latcho Drom(1993). No filme, o cineasta percorre o mundo em busca de comunidades de ciganos e dá voz a este que talvez seja o povo mais “outro” dentre aqueles nascidos na Europa, numa narrativa toda ela conduzida por músicas cantadas pelos seus personagens.

Em “Padre Padrone” (1977), dos irmãos Taviani, protagonista Gavino procura uma educação que lhe sirva de saída do ciclo de miséria, exploração e violência encarnado pela figura do pai, símbolo de uma Europa rural e abandonada no passado pela perseguição implacável de um ideal urbano, progressista e industrial.

O desencanto com esse projeto de uma Europa moderna marca a viagem sem rumo de Valto e Reino em Take Care of your Scarf, Tatiana” (1994), de Aki Kaurismaki – um road movie que começa em busca de vodka e termina num encontro com duas imigrantes, uma estoniana e uma russa, e no diálogo e no afeto possível, apesar da barreira linguística.

A Rússia retorna em The Ascent” (1977), de Larisa Shepitko, no qual dois soldados saem à procura de comida para o seu batalhão no meio de um brutal frio soviético e se deparam com o inverno (a)moral dos horrores da Segunda Guerra, esse grande marco fundador da Europa contemporânea.

Por fim, o programa volta ao início: “A Paixão de Joana D’Arc” (1928), de Carl Dreyer, um dos principais precursores do que hoje chamamos ‘cinema’, em que um tribunal inquisidor busca impiedosamente a confissão de um pecado mas descobre, em vez disso, o mito que dará origem à França e a uma das principais democracias do velho continente.

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