Qualquer pessoa casada tem pensamentos com outras pessoas. Não é nada sério ou algo para ficar obcecado. Em vez disso, uma fantasia que pode se tornar realidade se a outra pessoa sentir o mesmo por você. Nesse momento você perceberá que está constantemente procurando por ela, mas também ela por você. Qualquer desculpa é boa para conversar um pouco, você está morrendo de vontade de estar cada vez mais perto e começa a idealizar todas as ações dele, como se ele irradiasse uma luz ofuscante. Sim, você está se apaixonando e está com medo.
A vida de Anna (Alba Rohrwacher) tem um sabor de certeza: um casamento, uma casa, um emprego seguro, um almoço em família e um sábado à noite com os amigos. É uma vida marcada pela rotina, uma cadeia ordenada, uma segurança tão inegável quanto ilusória. Um olhar, porém, é suficiente para quebrar o molde: dois corpos conversam entre si, chamam-se, procuram-se e, de repente, todas as certezas se estilhaçam, tais sentimentos ocorrem quando ela conhece o apaixonante Domenico (Pierfrancesco Favino).

Nesse sentido, “Que Mais Posso Querer” é a história de uma atração fora do comum, uma busca por algo diferente, o medo e a necessidade de se questionar. Com um estilo quase documental, Silvio Soldini detalha uma exploração sóbria dos efeitos perturbadores do adultério na vida familiar, retrata a infidelidade, apesar de suas emoções, como quase mais problemas do que vale a pena. Soldini consegue dar vazão e significado os problemas e as contradições de uma geração de quarenta anos confrontada com a ausência de horizontes, num contexto entre o precariado italiano e a pequena burguesia milanesa (que ele conhece muito bem).
À vista disso, o romance torpe e apaixonante de Domenico e Anna é uma rebelião sussurrada que repousa sobre um equilíbrio estável como a vida deles: encontros clandestinos, discussões no telemóvel, mentiras, carícias sufocadas no final do intervalo do almoço, sexo engajado consumido em um quarto barato de motel, promessas impossíveis e ressentimentos latentes.
É, infelizmente, o amor muitas vezes tem a ver com linhas nítidas, limites. As do corpo, em primeiro lugar, que Domenico a ensina a descobrir e amar. Mas, até que ponto o amor é tolerável?. Bem, não existe um manual para entender nossos sentimentos, e a verdade é que se houvesse um que esclarecesse aqueles que se referem ao amor, a vida não seria mais simples.
“Que Mais Posso Querer” mede o custo emocional diário do caso: não apenas para Anna e Domenico, que estão cada vez mais culpados e irritados um com o outro, mas também para familiares, amigos e agregados. O problema de ter sentimentos por outra pessoa é que nossa atitude vai mudando pouco a pouco, não importa o quanto tentemos esconder, e isso resulta em problemas tanto com nosso cônjuge quanto com a pessoa com quem estamos tendo outro relacionamento. Nem sempre somos capazes de nos esconder, tornando-nos mais acostumados mesmo que acreditemos que estamos conseguindo manter ambos.

Apesar de toda essa trama shakespeariana, Soldini quis realizar um longa que falasse sobre muitos tipos de amor, não necessariamente apenas a paixão que irrompe entre Domenico e Anna. Tanto que, há também tudo o que eles construíram com suas respectivas famílias, com seus respectivos companheiros. O contexto em que a história se passa e sua relação com suas respectivas vidas é importante.
No longa fica nítido que a vida é passageira e momentos de felicidade devem ser vividos. Podemos escapar, o medo muitas vezes nos atrasa, e coloca obstáculos à nossa frente. Mas ambos os personagens decidem, sem estar cientes das consequências, mas nenhum ser humano está, a lançar-se nesta promessa de felicidade que ambos sentem. Então como isso vai acabar, é secundário. Nesse contexto de incerteza, identificar os desejos e questionar uma vida inteira não é tarefa fácil. Mas também não é aceitar o presente e se adaptar.
A história contada por Soldini certamente não é nova, mas de alguma forma consegue quebrar o molde. Abre perguntas, mas não oferece respostas. Às vezes atrapalha, até. Talvez por seu imediatismo ou talvez por deixar espaço para interpretações nem sempre românticas. Por fim, o amor de Domenico e Anna é um amor que inflama e assusta, porque cria desequilíbrio. É um tipo de amor que nem todos têm a oportunidade de conhecer ao longo da vida. Em uma relação de amor entre duas pessoas, a traição atinge profundamente e tira a capacidade de ler a si mesmo, de dar sentido ao que acontece. É um evento traumático e como todo trauma tem muitas consequências e nuances.

Em última análise, o olhar de Soldini é um olhar de pesquisa e seu cinema se revela como um sismógrafo de sentimentos, capaz de registrar os tremores perturbadores, bem como os menores solavancos, talvez causados por um ruído fora da tela. Porque fazer o bem a si mesmo, como Anna e Domenico gostariam, sem ferir os outros (o que se gostaria de ficar fora do alcance) é uma das proezas mais difíceis de realizar.