“Querido Diário: Edição Cineclubes” é uma rubrica original dos criadores do Cinema 7ª Arte que remete o leitor para uma viagem de vespa por Portugal fora, numa demanda dos cineclubes ainda ativos. De cidade em cidade, iremos conhecer cada cineclube e os seus nativos que se esforçam por partilhar a paixão pela sétima arte.
Chegamos a Torres Novas, terra de bonitas paisagens, clima quente e com boa gastronomia. Com 53 anos de atividade, o Cineclube de Torres Novas, um dos mais antigos do país, tem vindo a promover a cultura cinematográfica e o cinema português ao longo da sua vida, e nós agradecemos por serem o décimo cineclube a receber-nos.
Legenda: C7A – Cinema 7ª Arte / CCTN – Cineclube de Tores Novas
C7A: Como nasceu o cineclube?
CCTN: O Cineclube de Torres Novas nasceu da vontade de um grupo de jovens torrejanos agitarem a vida cultural da sociedade torrejana e de promoverem acções e iniciativas que levassem à reflexão, discussão e acção associativa por parte da população, numa época ditada pelas proibições e pelo medo, como era a década de 1960.
C7A: Sendo Torres Novas uma cidade do distrito de Santarém, que tem também um grande cineclube, o que distingue os dois cineclubes? Existe algum tipo de ajuda e cooperação entre as duas instituições?
CCTN: O que distingue o Cineclube de Torres Novas do de Santarém são principalmente os contextos onde estão inseridos. A diversidade de população, de apoios e também de oportunidades levam a que por vezes proporcionem actividades diferentes, mas penso que no geral somos muito semelhantes.
Não nos podemos esquecer que no nosso distrito existem também outros dois excelentes cineclubes, o de Abrantes e o de Tomar, o que faz com que a apenas 40 Km de distância da nossa cidade existam mais 3 cineclubes com actividade regular e de muito boa qualidade. Isso limita muitas vezes o público a que conseguimos chegar, pois são várias as vezes em que os filmes que exibimos são repetidos pelos outros cineclubes ou vice-versa. Apesar disso e embora de forma esporádica, tem conseguido realizar-se algumas actividades e iniciativas em colaboração com os outros cineclubes, pois acreditamos todos que assim conseguimos chegar a um público maior.
C7A: São um cineclube que não se dedica em exclusivo ao cinema. Incentivam também a outros públicos a participar noutras artes, como a Pintura, a Poesia, os Bonsais e o Xadrez. Certamente estas atividades paralelas diferenciam-vos dos outros cineclubes do país, correcto?
CCTN: Quando o nosso cineclube foi criado, teve na sua génese o objectivo de propor à população torrejana a participação em actividades culturais de várias áreas. Assim, e passados mais de 50 anos, continua a ser nossa prática a realização de iniciativas de âmbito cultural que sobretudo permitam a análise, a reflexão e a discussão. A fruição de diversas artes que propomos nas nossas actividades permitem ao cineclube não só chegar a mais pessoas, como também trazê-las a participar connosco e com isso a entrarem na sala de cinema com outra disponibilidade para verem o filme.
C7A: Preocupam-se muito em levar o cinema a todos os públicos, realizando sessões de cinema “nas escolas, nas aldeias do concelho, ao ar livre e em todo o lado onde haja uma parede branca ou espaço para insuflar a tela”. É mesmo assim? Como funciona todo este programa de levar o cinema às aldeias e escolas?
CCTN: Em relação às sessões de cinema que realizamos com as escolas, em todos os anos lectivos temos vindo a propor a alguns professores a realização de sessões temáticas que abranjam a área ou matéria que estão a leccionar, de forma a que a visualização do filme proporcione uma conversa e uma análise que permita depois ao professor leccionar da melhor forma. Pensamos que o cinema pode ser uma excelente ferramenta de ajuda à aprendizagem e têm sido várias as vezes que são depois os próprios alunos que no final nos vêm propor a exibição de outros filmes que levem a outras conversas.
Em relação ao cinema nas aldeias, todos conhecemos a realidade financeira das autarquias e mais concretamente das freguesias do nosso país. Se há anos ainda era possível realizarmos sessões de cinema em colaboração com essas entidades, nos últimos anos e devido aos inúmeros cortes a que as nossas autarquias também foram sujeitas, tem sido impossível levar a cabo a realização de tais actividades.
C7A: Durante o Verão costumam realizar a iniciativa “Cinema no Parque”, num clima descontraído no Parque de Campismo do Alvorão. Devem os parques de campismo aderir a mais eventos desta natureza e podem eles ser bons palcos para a realização de sessões ao ar livre?
CCTN: Penso que cada vez mais os cineclubes devem repensar as actividades que realizam para também se irem adaptando aos vários contextos em que estão inseridos. Durante a época de Verão, a população de Torres Novas vai toda de férias para as praias e as poucas pessoas que cá ficam não pretendem passar as noites quentes que se fazem sentir na nossa terra fechadas numa sala de cinema. Assim, a realização das nossas sessões num espaço ao ar livre, onde o convívio e a partilha de sensações são o principal objectivo, permite ao Cineclube continuar a exibir cinema em excelentes condições fora da nossa sala, chegando a um público mais diverso.
C7A: O público adere com facilidade à vossa programação? Vocês criam uma programação pensada em exclusivo para o público?
CCTN: Quando elaboramos a nossa programação temos à partida dois objectivos: propor filmes de qualidade que ainda não tenham sido exibidos em Torres Novas, pois existem outras 3 salas de cinema na nossa terra e, talvez mais importante, propor que os filmes exibidos levem à reflexão e à conversa sobre a área retratada pelo filme. Temos consciência que estamos inseridos num meio pequeno e que cada vez mais as dificuldades económicas das pessoas estão a retirá-las das salas de cinema, mas nunca fazemos uma programação pensada só em trazer mais público.
C7A: É difícil para vocês criar uma programação de cinema mais independente e com clássicos do cinema, sem que não apareça muito público?
CCTN: Todos sabemos que as pessoas têm os seus hábitos e que é normal que queiram ver os filmes mais badalados e noticiados pelos media. Já há muito tempo que fazemos a nossa programação baseada em filmes fora do chamado cinema comercial, permitindo assim a formação de públicos para que seja normal nas nossas sessões assistir a um filme dito independente, de um país europeu ou até filmes de escola. Apesar do nosso esforço, é evidente que se nota uma quebra de afluência de público sempre que exibimos um filme que não seja tão conhecido, mas também pensamos que essa é uma das obrigações do nosso Cineclube enquanto associação cultural.
C7A: Costumam passar algum cinema português?
CCTN: Todos os anos passamos cerca de 10 filmes portugueses. Por termos estado nos últimos anos inseridos no projecto REDE promovido pelo ICA, a exibição de cinema português era uma das cláusulas do projecto e isso levou-nos ao hábito de regularmente programarmos cinema português.
C7A: Atualmente, em época de muita crise, onde as pessoas tem menos dinheiro para ir ao cinema, como conseguem gerir as contas do cineclube?
CCTN: Como já referi anteriormente, é prática do nosso cineclube fazer iniciativas em colaboração com outras entidades e associações. Assim conseguimos partilhar despesas e receitas quando as há. Também com o corte dos apoios por parte do ICA e da Câmara Municipal, tivemos que nos reorganizar financeiramente e mediante um acordo com o Estúdio Alfa, que é a sala onde actualmente exibimos cinema, conseguimos reduzir as nossas despesas em cerca de 75%.
C7A: Qual a importância deste cineclube para a cidade de Torres Novas e qual a importância dos cineclubes hoje na sociedade?
CCTN: Acreditamos que somos uma associação de grande importância na nossa cidade, pois para além das nossas iniciativas culturais, também participamos noutras organizações como a União das Colectividades e Associações de Torres Novas (UCATN), na qual temos a presidência da direcção. Numa localidade com 4 salas de cinema, orgulhamo-nos de poder permitir ao nosso público assistir a filmes que não passam no circuito comercial.
Em relação à importância dos cineclubes na sociedade, pensamos que toda a massa crítica é importante para o próprio desenvolvimento das sociedades e que o papel dos cineclubes nos últimos tempos tem sido o de promover a análise, a reflexão e a crítica através da arte do cinema.
C7A: Sentem falta de apoios do estado ou das câmaras municipais para os cineclubes?
CCTN: Para qualquer associação cultural sem fins lucrativos é muito difícil realizar iniciativas sem o apoio dessas entidades. O tipo de actividades que realizamos não visam o lucro e por isso a escolha que fazemos dos filmes que programamos não pode ser feita baseada no número de bilhetes que pensamos vender. Esse é o papel de uma sala de cinema comercial e nunca o papel de um Cineclube. No entanto, temos a consciência de que não poderá haver um prejuízo financeiro em todas as nossas actividades, mas também sabemos que o trabalho social que fazemos na formação de públicos não tem preço.
C7A: Acham que deveria haver uma maior relação de parceria entre outros cineclubes do país?
CCTN: Somos adeptos de todas as parcerias e colaborações que se possam fazer entre cineclubes, mas cada um está inserido num contexto único e onde muitas vezes os vários factores inerentes à sua actividade não proporcionam essas mesmas parcerias. No entanto, temos participado várias vezes em ciclos ou mostras que são agendados e programados por vários cineclubes, mas essas são as excepções à regra.
C7A: O cineclube só vive da dedicação e trabalho dos voluntários?
CCTN: O nosso cineclube funciona desde a sua criação apenas da boa vontade, dedicação e trabalho voluntário de todos os dirigentes e sócios que nos têm acompanhado. Pensamos que isso só tem dado mais valor a tudo o que tem sido feito no nosso Cineclube, pois apesar de criar muitas vezes dificuldades à realização das nossas actividades, reflecte de facto os princípios e objectivos da nossa associação.
C7A: Película ou Digital?
CCTN: Essa é uma pergunta que nos pode levar a muitas outras reflexões. Cinema clássico ou contemporâneo? Comercial ou independente? Em sala de cinema ou em espaços ao ar livre?
Acreditamos que um filme vale pelo seu todo. A imagem, o som, a história e o desempenho dos actores e de todos os que participam no filme. Não aceitamos é que o cinema em película e o digital tenham os mesmos custos para um cineclube, pois não o têm para as distribuidoras.
C7A: Um dos principais objetivos de um cineclube é o de discutir e refletir sobre cinema. Acha que os cineclubes hoje tem cumprido essa missão, para além da simples exibição?
CCTN: Por tudo o que já dissemos atrás, acreditamos que o papel de um cineclube nos dias de hoje seja o de fomentar a análise, a reflexão e a discussão sobre cinema. No entanto, aceitamos que possam existir cineclubes que não tenham neste momento condições para conseguir cumprir esse objectivo e que, para subsistirem, tenham que desempenhar apenas um papel de exibidores de cinema. Não nos podemos esquecer de que em certos locais do nosso país o filme exibido pelo cineclube é a única ligação que o público tem com a 7ª arte numa sala de cinema.
Próxima paragem: Cineclube de Joane
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Uma ideia original de
Cinema 7ª Arte
Texto de
Tiago Resende
Revisão de
Eduardo Magueta