“Querido Diário: Edição Cineclubes” é uma rubrica original dos criadores do Cinema 7ª Arte que remete o leitor para uma viagem de vespa por Portugal fora, numa demanda dos cineclubes ainda ativos. De cidade em cidade, iremos conhecer cada cineclube e os seus nativos que se esforçam por partilhar a paixão pela sétima arte.
Chegamos a Vila do Conde, bela cidade costeira virada para as actividades marítimas e comerciais. Fundado em 1990, o Cineclube de Vila do Conde tem vindo a desenvolver ao longo dos anos um papel fundamental na região, ao nível da formação de públicos e divulgação do cinema.
Legenda: C7A – Cinema 7ª Arte / CVC – Cineclube de Vila do Conde
C7A: O que motivou a criação de um cineclube na cidade de Vila do Conde?
CVC: Em 1959 foi criada, pelo Clube Fluvial Vilacondense, uma secção de cinema, secção que manteve uma exibição irregular de cinema até meados dos anos 80. Existindo, assim, em Vila do Conde, uma tradição de exibição e cultura cinéfilas, em 1990, um grupo de jovens, aproveitando a reconstrução do Palácio de Vasconcelos convertido em Auditório Municipal, espaço de raiz apropriado à exibição de cinema, reactivaram essa tradição, fundando o Cineclube de Vila do Conde.
C7A: É importante para vocês a existência de uma parceria com o Festival de Curtas de Vila do Conde, o mais importante festival de cinema nacional de curtas-metragens?
CVC: É, obviamente, importante, quer por razões históricas, pois, o Cineclube de Vila do Conde fundou em 1993 o Festival Internacional de Curtas Metragens de Vila do Conde, quer por afinidade, considerando que os nossos sócios fazem parte, também, do público mais assíduo do festival. Em 1997 a estrutura do festival autonomizou-se do cineclube, fundando a Cooperativa Curtas Metragens CRL. Somos, desde então somos parceiros das Curtas em outras actividades, para além do Festival, como a Animar ou a Solar-Galeria de Arte Cinemática.
C7A: Vocês criam uma programação pensada em exclusivo para o público?
CVC: Criamos uma programação, conscientes, desde logo, de que somos a única entidade que exibe cinema no concelho. Assim, criamos uma programação em que a escolha recai quer em cinematografias menos conhecidas mas também cinematografias e autores mais reconhecidos do público, sem que sejamos guiados por critérios comerciais. Consideramos, também, que uma programação mais abrangente poderá fidelizar públicos, atraídos pelo que já reconhecem, suscitando a curiosidade pelo desconhecido. Com a actual exclusividade do digital no circuito de exibição comercial, a escolha na programação encontra-se limitada.
C7A: É difícil para vocês criar uma programação de cinema mais independente e com clássicos do cinema, sem que não apareça muito público?
CVC: Tivemos no passado uma rubrica, fora das sessões regulares, na qual exibíamos um filme clássico por mês e que tinha um público fiel. Infelizmente a rubrica foi cancelada, há 3 anos, por indisponibilidade da sala. Continuamos a exibir clássicos nas sessões regulares, normalmente reposições e que são bem recebidas pelo público. Sentimos alguma dificuldade em atrair novos públicos, o que é transversal a todo o circuito de exibição alternativo. Algo a que não serão alheios a inexistência de uma verdadeira formação pública de públicos para o cinema e a perda de hábitos relacionados com idas a salas de cinema fora dos grandes centros comerciais.
C7A: Costumam passar algum cinema português?
CVC: Sim, exibimos regularmente cinema português, quer na programação regular de domingo, quer em ciclos especiais dedicados, nomeadamente, ao cinema de animação e documentário.
C7A: Atualmente, em época de muita crise, onde as pessoas tem menos dinheiro para ir ao cinema, como conseguem gerir as contas do cineclube?
CVC: Desde logo, com muito voluntariado e não tendo uma estrutura profissionalizada. A Câmara Municipal de Vila do Conde apoia-nos, também, cedendo o Teatro Municipal. Por outro lado, o apoio do Instituto do Cinema e do Audiovisual ao circuito de exibição alternativo é escasso mas da maior importância.
C7A: Qual a importância deste cineclube para a cidade de Vila do Conde e qual a importância dos cineclubes hoje na sociedade?
CVC: É muito importante como única entidade exibidora de cinema de forma regular e mantendo a exibição há 25 anos. Por outro lado, é inequívoco o papel importante que tem como formação de públicos para o cinema e para o cinema de autor. Os cineclubes, por vezes menorizados, são de uma importância fundamental na exibição de cinematografias alternativas e na exibição de cinema nacional, sendo, inclusivamente, em muitos zonas do país, as únicas entidades a exibir cinema.
C7A: Sentem falta de apoios do estado ou das câmaras municipais para os cineclubes?
CVC: Apesar da importância dos cineclubes nacionais na exibição de cinema, nomeadamente o nacional, os apoios do Instituto do Cinema e do Audiovisual à exibição sempre foram residuais quando comparados com os restantes concursos. Em 2012 não foi aberto qualquer concurso de apoio, o que trouxe graves dificuldades aos cineclubes, e tendo sido retomado em 2013, já tarde, foi mantido o nível insuficiente dos valores de apoio e que não permitem uma programação intensa e outras actividades importantes para a formação de públicos.
Por outro lado e quanto às Câmaras Municipais, muitas disponibilizam gratuitamente espaços de exibição, algo muito importante, mas não compreendendo o papel fundamental e formativo dos cineclubes, de alguma forma menorizando os mesmos, por não se regerem por números ou ordens de grandeza dos grandes espectáculos.
C7A: Acham que deveria haver uma maior relação de parceria entre outros cineclubes do país?
CVC: O Cineclube de Vila do Conde está presente na direcção da Federação Portuguesa de Cineclubes e verifica-se a dificuldade em reconhecer a importância da acção conjunta. É algo que tem de ser alterado.
C7A: O cineclube só vive da dedicação e trabalho dos voluntários?
CVC: Sim.
C7A: Película ou Digital?
CVC: Ambos. A maior abrangência de formatos permite e permitirá uma maior amplitude de programações. Considerando,no entanto, que o formato de exibição standard actual é o DCP, os cineclubes, onde se inclui o de Vila do Conde, não deveriam estar actualmente fora do circuito standard de exibição, considerando o alto custo que a digitalização de uma sala de cinema comporta. Sem apoios à digitalização das salas fora do circuito comercial, as exibições pelos cineclubes estão em risco, podendo muitos suspender actividade considerando a inexistência de cópias em 35 mm no actual mercado de distribuição e a total desadequação de formatos como o dvd para a exibição em sala. Infelizmente, a actual situação que, já há anos se previa, não foi devidamente acautelada pela SEC/ICA, não tendo sido criados quaisquer mecanismos, nomeadamente linhas de apoio para aquisição de equipamento.
C7A: Um dos principais objetivos de um cineclube é o de discutir e refletir sobre cinema. Acha que os cineclubes hoje tem cumprido essa missão, para além da simples exibição?
CVC: Sendo um objectivo principal dos cineclubes, as estruturas pequenas e não profissionalizadas tornam por vezes dificil a criação de programas que tornem mais regular a discussão e reflexão. Os cineclubes têm um papel importantíssimo na medida em que são das poucas entidades a pensar cinema, numa altura em que as grandes estruturas de exibição são guiadas por critérios meramente comerciais e economicistas. Por outro lado, cabe aos cineclubes a criação e formação de públicos, considerando o desinteresse do Estado no papel que deveria a si avocar na formação, algo que pouco ou nada mudou mesmo com a implementação em algumas escolas de um incipiente Plano Nacional de Cinema.
Próxima paragem: Cineclube de Tavira