25 de Abril

“Rimini” – (Outra vez) No divã com Ulrich Seidl

"Rimini", de Ulrich Seidl "Rimini", de Ulrich Seidl

O cinema do realizador austríaco Ulrich Seidl está sempre tão próximo da terapia quanto do choque com realidades a que nem sempre o espetador assiste confortavelmente, mas que acaba por aceitar porque se reconhece, em parte – é tudo humano.

Esse desconforto é o centro da terapia coletiva de quem se senta para ver “Rimini”, embora presente em grau menos intensivo que no trabalho anterior de Seidl.

Desta feita, dedica-se à irresistível e picaresca figura de Richie Bravo, um cantor romântico acabado que passa o inverno na estância veranil de Rimini a cantar para turistas idosos, eternamente rodeado pelo nevoeiro das memórias do passado, mas assolado pelas novas memórias que o presente teima em querer impor-lhe.

O Richie boémio, gigolo, sedutor, preso no passado glorioso em que ainda acredita viver, é confrontado pela filha que não vê há muitos anos e que lhe vem pedir a vida de volta em forma de dinheiro – que Richie, claro, não tem.

Em sua casa ainda se respiram os tempos de glória, do culto da personalidade, com posters de corpo inteiro espalhados pelas paredes e um de Ben Hur no quarto, ou até mesmo uma espada a par de uma pintura de Richie representado quase como um pequeno príncipe medieval.

Apesar de ser uma belíssima comédia, sobretudo na sua primeira metade e muito por “culpa” da gigante interpretação de Michael Tomas enquanto Richie, nas entrelinhas “Rimini” está repleto de amargura e arrependimento, embora sem julgamentos.

Por entre o humor, “Rimini” é um filme sobre fantasmas, numa estância de verão onde é sempre inverno e onde os fantasmas dos migrantes permanecem estáticos pelas ruas, a aguardar o refúgio que não chega.

Ao mesmo tempo que mostra a realidade do presente, focando-se no novo tecido social da Europa, olha para o passado nazi da Áustria e comenta-o na pessoa do pai de Richie, interpretado por Hans-Michael Rehberg no seu último papel em cinema e a quem o filme é dedicado nos créditos finais.

Em “Rimini”, tudo soa ao passado do qual a maior parte dos intervenientes teima em não querer largar e entende-se: é a busca do conforto numa ideia de felicidade que já não é possível agarrar no presente.

Por outro lado, nessa mesma linha, mergulha em conceitos mais rebuscados para estas personagens e que aludem à busca do conforto do seio materno, a memória mais antiga de todas e a que muito desejam ardentemente regressar.

Richie Bravo está constantemente fixado nos seios das suas clientes que são também suas fãs dos tempos áureos e o seu pai, nos derradeiros tempos de vida, cercado pela demência e pelas memórias pestilentas do seu passado fascista, em última instância chora pela mãezinha enquanto olha o horizonte pela janela do quarto.

Nas suas duas horas de filme, “Rimini” gira muito em torno desta busca incessante pela reparação do trauma da separação e necessidade premente, extrema, da cura, sem a qual o nevoeiro não se dissipa.

Richie Bravo atravessa esse nevoeiro com uma força impulsionadora vital que o alimenta a partir do passado, mas está aqui no inverno da vida e já só lhe resta prestar contas com o passado que inevitavel e finalmente o apanha.

Seidl não tem medo de afrontar, de mostrar as partes mais recônditas dos homens e mulheres, os desejos, as paixões, o querer, mesmo quando essas ocorrem no suposto ocaso da vida. São imagens e ideias a que normalmente o espetador não acede e não imagina, mas profundamente humanas e reais.

“Rimini” versa também sobre as prisões em que cada um se encontra confinado, na mente ou no corpo. Richie encontra-se preso à ideia que tem de si, o pai de Richie preso no lar de idosos que lhe promete belas paisagens, mas lhe oferece apenas portas fechadas, a filha de Richie presa à ideia de que a sua felicidade depende apenas de quando o pai consiga reparar todas as suas falhas.

Seidl é amargo, realista, provocador, brinca com as expetativas goradas de pessoas que estão apenas fisicamente vivas e nada mais têm por que ansiar exceto a morte. Todas têm os seus truques para enganar a vida e, sem querer, acabam a colorir as existências umas das outras, mesmo quando a cor apenas a encontram nos cenários garridos.

"Rimini", de Ulrich Seidl
“Rimini” – (Outra vez) No divã com Ulrich Seidl
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