“Um nome de mulher é que era o disfarce perfeito”. “Ruth” é nome de mulher e serviu de disfarce para Eusébio poder viajar incógnito de Lourenço Marques até Lisboa, sem que os sportinguistas desconfiassem de nada, onde é recebido por dois jornalistas A Bola no aeroporto. É este o ponto de partida para uma comédia ligeira sobre a sociedade portuguesa metropolitana e a sociedade ultramarina no início da década de 1960. Este não é um filme sobre uma figura histórica, ao contrário do que se possa pensar antes de vermos o filme, mas sim uma caricatura do Portugal colonial, onde Eusébio se encontra entre duas guerras: uma guerra futebolística (entre Sporting e Benfica) e uma guerra colonial (entre metrópole e colónias), no período entre 1958 e 1961.
Baseado em factos reais, com argumento (muito bem escrito) de Leonor Pinhão, “Ruth” conta a história de um jovem futebolista moçambicano chamado Eusébio, atleta predestinado do Sporting Clube Lourenço Marques, que se vê cobiçado e contratado pelo clube rival, o Benfica.
Mais do que retratar a famosa e polémica transferência de futebol de Eusébio, este filme concentra-se mais sobre o que o rodeia: os bastidores, as quezílias e chantagens clubísticas entre dirigentes, adeptos, equipa técnica e jornalistas; algo que passados 50 anos não mudou quase nada. O argumento concentra-se sobretudo na disputa entre o Sporting e o Benfica pela contratação de Eusébio, mas as diferentes classes sociais, o machismo (as personagens masculinas dominam todo o filme, sendo um infeliz, mas real retrato do país na época), o racismo (nítido em várias cenas), a relação íntima entre futebol e o poder (com elites sociais e membros do governo a imporem as suas influências) são temas que não passam ao lado. Há um lado caricatural óbvio nas personagens, que as ridiculariza, sobretudo as do Sporting, que passam uma imagem de elite snobe ao apelidarem Eusébio de “pretinho”. Já as personagens benfiquistas, também caricaturadas, são bem mais simpáticas.
Quanto a Eusébio, a estrela futebolística, é ele que desencadeia todo o filme, mas acaba também por ser o menos presente e o que tem menos voz no filme. Talvez por também ser retratado numa fase da sua vida, ainda muito jovem, como um rapaz simples, ingénuo e tímido.
António Pinhão Botelho não surpreende com a sua primeira longa-metragem, mas também não desilude na realização. Quem não desilude é também o elenco, com destaque para Igor Regalla, Rui Morisson, José Raposo, Miguel Borges, Filipe Vargas e Vítor Norte. Esta viagem ao Portugal Colonial, em vésperas de entrar em guerra no Ultramar, é um retrato curioso e caricatural de uma época que mesmo passados 50 anos não se distancia muito da de hoje no mundo do futebol.
Realização: António Pinhão Botelho
Argumento: Leonor Pinhão
Elenco: Igor Regalla, Ana Bustorff, Miguel Nunes, Maria Emília Correia, Rui Morisson, Anabela Moreira, José Raposo, Marco Delgado, Bruna Quintas, Miguel Borges, Teresa Madruga, Vítor Norte
Portugal/2018 – Biografia
Sinopse: Um filme sobre a sociedade portuguesa metropolitana e ultramarina no início da década de 60, à boleia da história de um jovem futebolista moçambicano chamado Eusébio, atleta predestinado do Sporting Clube Lourenço Marques, que se vê cobiçado e contratado pelo clube rival, o Benfica. Chantagem, tentativas de rapto, envolvimento de ministros, delírio nos jornais e promessas milionárias fazem da história da transferência do futebolista – um miúdo que nunca ninguém vira jogar – uma saga desenrolada em dois continentes. Termina quando a lenda começa : com a estreia de Eusébio na Luz.