«Salvé, César!» – Uma Hollywood às avessas

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Sinto uma certa fobia clooniana crepitar pelo meu intelecto sempre que se antecipa um filme com George Clooney, o que hoje em dia é quase sinónimo de um novo filme dos Coen. É simplesmente um género de ator que deixei de levar a sério, talvez por fazer sempre papéis de galã parvinho. Não podia, no entanto, imaginar outro ator no papel de Baird Whitlock porque é, precisamente, essa característica de Clooney que os irmãos Joel e Ethan Coen sabem extrair na perfeição.

Mordaz e cerebral, “Salvé, César” é de um tipo de comédia à la “O Grande Lebowski” que demonstra aquilo que distingue os Coen de quaisquer outros – a excepcional cumplicidade entre o argumento de Ethan e a câmara de Joel. No entanto, apesar de nos conseguir agarrar desde a primeira cena com o seu ritmo alucinante de diálogos, piadas e uma deliciosa cena entre um soberbo Ralph Fiennes e o novato Alden Ehrenreich, que interpreta um ator de westerns praticamente analfabeto acabadinho de virar ator dramático, por vezes, exagera e vai um pouco longe de mais para o seu próprio bem.

“Salvé, César” é uma sátira disfarçada de carta de amor aos anos de ouro de Hollywood, altura em que os estúdios produziam filmes como quem come pudim. A indústria do cinema era uma máquina titânica de faturação, mas nem sempre bem oleada. A Capitol Pictures conta com uma panóplia de estrelas, realizadores e repórteres problemáticos com quem Eddie Mannix (Josh Brolin), que interpreta uma mistura entre um fixer e ama-seca, tem de lidar diariamente. O filme gravita em torno do rapto de Baird Whitlock (George Clooney), a principal estrela da Capitol Pictures, por comunistas, e da tentativa de Eddie de esconder o seu desaparecimento de um par de repórteres abelhudas (ambas interpretadas por Tilda Swinton).

Até à primeira metade do filme, “Salvé, César” consegue dosear o humor através de bons diálogos, como quando Eddie reúne um grupo de teólogos para inquirir se a representação de Cristo no filme de Baird está fidedigna, depressa se transformando num frenesim de humor negro como já não via há algum tempo, e da fantástica interpretação do elenco; Ralph Fiennes, Scarlett Johansson e Tilda Swinton estão particularmente geniais.

O problema está em conseguir encontrar o equilíbrio entre o humor, o despropositado e o ridículo, e “Salvé, César” falha nesse aspeto. A cena de Ralph Fiennes e Alden Ehrenreich, como referí acima é brilhante, mas exagerada; a cena de Channing Tatum prolonga-se desmedidamente (pelo menos eu só aguento ver marinheiros a dançar e a cantar até um certo ponto); e os diálogos ideológicos intermináveis entre os comunistas e um George Clooney aparvalhado também não ajudam. Tal como a própria Hollywood que os Coen pretendem retratar, e que o conseguem bem, acabam por cair no exagero e no espalhafato.

No entanto, há uma sátira excepcional a borbulhar em “Salvé, César” – a analogia entre o império romano e o império de Hollywood, a superficialidade de ambos esses mundos e a sua iminente finitude – não deixa de ser bem conseguida. Poucos são os cineastas atuais, ou não, que conseguem manter a sua criatividade fresca num período, lá está a ironia, em que Hollywood deixou de ter ideias mas continua a faturar. Mas passados os primeiros 60 minutos o filme começa a deixar-se levar pela sua própria leviandade e, infelizmente, acaba por prejudicar o que poderia ser um grande filme.

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Argumento: Ethan Coen, Joel Coen

Elenco: Josh Brolin, George Clooney, Alden Ehrenreich, Ralph Fiennes, Scarlett Johansson, Tilda Swinton

EUA/2016 – Comédia

Sinopse: Eddie Mannix é um ansioso diretor da Capitol Studios que, de repente, perde a estrela da sua gigantesca e dispendiosa produção e tem apenas um dia para o encontrar. Os estúdios estão em rodagem de um grande épico quando Baird Whitlock, o ator principal, é raptado…

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