Tendo passado pelo Festival de Jerusalém (com a sua primeira obra “O Polícia”, 2011) e pelos festivais de Taipei e Índia (com “Haganenet”, 2014), o cineasta israelita Nadav Lapid foi arrecadando honras pelo caminho – mas nenhuma do calibre que “Sinónimos” lhe valeu. Com estreia mundial na Berlinale 2019, a sua terceira longa-metragem conquistou o prestigiado Urso de Ouro, prémio máximo do festival. Por cá, “Sinónimos” foi o filme de encerramento do IndieLisboa 2019.
Escrito e realizado por Lapid, o filme conta a história de Yoav (grande interpretação do estreante Tom Mercier), um jovem israelita que, desesperado por ser francês, emigra para Paris. Na verdade, a sua obsessão não é tanto a de ser francês, mas mais a de não ser israelita.
A primeira noite de Yoav em Paris é algo atribulada: é assaltado em casa enquanto toma banho. Nu e enregelado, procura auxílio junto dos vizinhos, mas ninguém vem em seu socorro. Na manhã seguinte, Yoav acorda no apartamento de um jovem casal, que viera em seu auxílio posteriormente. Ele é Emile, interpretado por Quentin Dolmaire (“Três Recordações da Minha Juventude”, de Arnaud Desplechin); ela Caroline, interpretada por Louise Chevillotte (“O Amante de Um Dia”, de Philippe Garrel). O triângulo está feito.
O jovem israelita agradece a hospitalidade e parte para sua casa, mas não sem que antes Emile lhe ofereça várias peças de roupa. Assim que Yoav chega ao seu apartamento – aliás, apertamento, de tão pequeno que é – dá uso imediato à pilha de roupas de Emile: tapa um grande buraco no tecto do quarto. A única peça que escapa a este emprego é um sobretudo amarelo-mostarda de gola alta. O contraste é propositado e brilhante: com o seu porte imponente, Yoav parece um gladiador a caminho da Semana da Moda de Paris.
É precisamente de contrastes que “Sinónimos” vive, embora por vezes excessivamente. A título de exemplo, a oposição entre as três personagens. O casal e Yoav assemelham-se em pouco, talvez somente na idade. Eles são chiques, burgueses e vivem na rive gauche. Ele é um emigrante que vive num T0 decadente. Eles têm dinheiro para estoirar. Ele conta cada cêntimo que gasta por dia. São de mundos verdadeiramente opostos e, gradualmente, fica claro que o casal representa o fascínio do Ocidente por Israel (Emile) e o desdém do Ocidente por Israel (Caroline).
O enredo de “Sinónimos” em muito faz lembrar o de outro filme: “Os Sonhadores” de Bernardo Bertolucci. Também nesse filme de 2003 dois jovens parisienses acolhem um rapaz estrangeiro nas suas vidas e o que começa com uma amizade evolui para um triângulo amoroso – mais credível e bem executado no filme de Bertolucci do que no de Lapid. As relações amorosas que se desenvolvem em “Sinónimos” desafiam a lógica do cenário. Contradizem em particular um dos melhores momentos do filme, aquele em que Emile mostra música clássica a Yoav. Uma cena íntima que estabelece a química entre os dois – química esta que todavia é abandonada por Lapid.
O argumento e, por conseguinte, o filme demonstram com engenho e êxito que Yoav não consegue fugir da sua nacionalidade, mesmo estando longe do seu país. Vemo-lo a saltar entre pequenos trabalhos e em todos se vê forçado a falar hebraico: na entrevista para segurança de uma embaixada, na aula de cidadania francesa, no casting para um filme porno, entre outros. Yoav deseja fugir, mas encontra em Paris uma sociedade não menos violenta que a realidade militar de Israel (que nos é mostrada através de flashbacks). Exemplo dessa violência é a brutalidade com que Yoav é tratado pelo realizador de pornografia, que insiste em sexualizar a sua língua-materna. São cenas que reiteram a relutância do mundo actual olhar para uma pessoa para além da sua nacionalidade. Yoav pretende cortar à força os laços com o seu país, a sua língua e a sua família, mas, por mais que tenha abandonado o primeiro, os outros dois perseguem-no em França.
Numa cena caricata, Yoav rouba postais de uma livraria. Todos eles de personalidades icónicas: Van Gogh, Kurt Cobain e – com maior relevância – Napoleão Bonaparte. É um paralelismo inteligente com a figura histórica que chegou a França resolvida em conquistar o país. São momentos subtis como este que carecem em “Sinónimos”, filme que insiste em dizer em vez de sugerir.
Infelizmente, o argumento é sobrecarregado com ideias que ficam por terminar ou que terminam de forma tosca. “Sinónimos” conclui após um último acto algo incoerente, com Lapid a encaminhar a narrativa para o desenlace à pressa e sem nexo. Contudo o mais grave é a ausência de evolução da personagem principal ao longo do filme. O Yoav que encontramos a início é o mesmo que encerra o filme. Talvez a ideia seja exactamente essa, a de que uma pessoa nunca se consegue libertar das suas raízes. No entanto, custa a acreditar que uma deslocação drástica de Israel para Paris não tenha os seus efeitos num homem tão conturbado e errático como Yoav.
“Sinónimos” é um filme altamente político que pode não ser de fácil acesso, tanto pelo seu tema polémico e actual, como pelo seu rótulo de arthouse. Não surpreende portanto que o filme tenha dividido a crítica francesa: deslumbrou a “Cahiers du Cinéma”, mas decepcionou a “Positif”. Tudo considerado, “Sinónimos” é um filme cujas partes funcionam melhor que o todo. Um filme de grandes momentos, mas de pouca ligação entre eles.