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«Tenet» – em inversão de marcha pelo resgate do espectáculo cinematográfico

Tempos estranhos, aqueles que estamos a vivenciar. Do qual ficamos perplexos ao admirar multidões que se reúnem em óperas, lotando salas, como aquela que indiciamos nos primeiros minutos de “Tenet”. Pois bem, julgávamos nós que iríamos presenciar uma pequena amostra da performance da orquestra no palco, infelizmente (talvez os mais que habituados as iguais sinfonias), temos a alternativa dos rompantes trombones à lá Hans Zimmer (compositor que nas mãos de Christopher Nolan soa como um génio de um só acorde, aqui substituído por Ludwig Göransson), que dão entrada ao golpe, espaço tão familiar e comum no cinema do realizador. Mas não desviemos do objetivo, e novamente sublinhando o incomum da nossa disposição, é na empatia para com as máscaras vitais que o nosso protagonista e a sua trupe terão que recorrer num mundo, literalmente, ao “contrário”, ou seja, estranho mundo este em que identificamos com tais adereços.

Com isto, saliento, assim como muitos filmes que tem suscitado nas nossas salas de cinema após a nossa exposição de um confinamento longo acompanhado por um medo imposto pelos medias, redes sociais e não só, “Tenet” alterou-se perante o empírico da sua audiência. Porém, é também na vitalidade do cinema enquanto negócio que depositamos a fé em Nolan neste filme, até então, misterioso, mas que mesmo assim consumiu 200 milhões de dólares de orçamento. Como tal, adquire o seu quê de messiânico e comporta-se (isso mesmo) como a última “bolacha do pacote” em termos operáticos, sem com isto apercebermos que o realizador, aliás autor de uma indústria vincada, megalómana e destruidora, oferece-nos o mesmo joguete. Complicar o que não merece ser descomplicado, extraindo um enredo simples e por via de acupuntura, alfinetar com os diferentes atalhos de pseudociência (física quântica para a mesa quatro), daquela que Nolan nos habituara e que em certos casos funcionava às mil maravilhas (“A Origem”, por exemplo, continua como o seu filme fundamental para entender a sua natureza de espetáculo).

Tenet” impõe-nos uma trama globalizada, algo que Ian Fleming se lembraria para induzir o seu amado James Bond em mais uma demanda ao serviço de sua Majestade, mas aqui, a espionagem física e brutalizada por um desencanto contagioso nas suas virtudes técnicas (a fotografia amarelada tão monótona como o próprio concreto que maioritariamente serve de cenário) é recolhido por um macguffin temporal, a desculpa servida em bandeja para a atração de cartaz deste mesmo circo.

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Sem surpresas (aliás porque os trailer assim o mostraram), a ação, muito afastada da pornografia CGI, é dependente da inversão, o fast forward para entendidos. Para sermos sinceros, nada impressiona nessas imagens de marcha-a-ré. A culpa? Essa, advém dos 120 anos de história cinematográfica, desde a invenção acidental dos irmãos Lumière que funcionou num artificio de espanto, quando o público deparou com um muro de pedra que ao invés de tombar, ergue-se “milagrosamente” dos seus próprios destroços (“Demolition d’un Mur”, 1896). E o que dizer das constantes acelerações da cómica série “Bennie Hill” ou dos populares (hoje esquecidos no pó) “Os Deuses Devem Estar Loucos”? Isto tudo para afirmar o óbvio, que mesmo sob o selo de espetacularidade embrulhadas nestas sequências de adrenalina sintética, o movimento não é um feito nem uma descoberta, é a reutilização de algo visto, revisto e reproduzido em incontáveis ocasiões. E basta ir fora do audiovisual tradicional, qualquer plataforma de vídeos tem ao seu lote de “brincadeiras temporais”.

Quanto ao filme propriamente dito, “Tenet” apoia-se na incapacidade acrescida de Nolan em criar personagens, recolher emoções sem a cumplicidade do seu compositor fetiche e com isso, dirigir os seus atores de forma transgressiva. O resultado está à vista, um John David Washington que soa mais enfadado que o próprio filme ou um Kenneth Branagh over the top em vestes de um traficante russo que condensa um dos mais esquecíveis vilões da galeria de Nolan. Enfim, apenas Elizabeth Debicki, mesmo com uma personagem chapa 5, consegue trazer charme a um “mastadonte” isento dele.

Certamente, não é este o futuro ou a dependência do cinema, mas é, à sua maneira, um filme adequado para estes tempos distorcidos e … estranhos. Cinema espetáculo que ondula nas mazelas da sua própria indústria.

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