OK. Por esta altura, já todos estamos a par do drama em torno da 88ª edição dos Óscares, esse galardão máximo da Academy of Motion Picture Arts and Sciences. Pelo segundo ano consecutivo, que a névoa da insatisfação se fez sentir ao ponto de Jada Pinkett-Smith e Spike Lee ameaçarem boicotar a cerimónia se nada se fizesse para atenuar os danos. E tudo isto porque os membros da academia decidiram vestir os seus capuzes pontiagudos e as suas túnicas brancas.
Porquê? Por causa dos atores, a culpa é sempre desses mimados. Não, agora a sério. As categorias relacionadas com a representação (melhor ator, atriz, etc.) são importantes – para alguns as mais importantes, embora isso seja discutível – mas o problema em questão, a falta de diversidade na escolha dos nomeados, é um problema sério.
A Academia pode, e deve, fomentar diversidade étnica na indústria cinematográfica americana – a todas as etnias, não apenas em relação a comunidade afro-americana. George Clooney apontou recentemente numa entrevista que no caso dos hispânicos a situação é bem mais injusta, mas ninguém fala disso. No fundo, é uma questão de bom senso, e talvez tenha sido Barack Obama a apresentar a melhor solução numa entrevista recente à Entertainment Weekly.
Eu percebo que, apesar de tudo, toda esta polémica é uma forma até bastante eficaz de forçar a mão da academia a agir, já que a indústria se mostra um pouco indiferente a tudo isto. Mas ela até já agiu. Nem tudo é mau. Há umas semanas atrás, a 21 de Janeiro, a Academia, unanimamente, aprovou novas regras para aumentar o número de membros de todas as etnias e, já agora, sexos. Mas ainda se ouvem para aí uns zum-zuns do Will Smith. E, tem toda a legitimidade de o fazer. Desempenhou um bom papel em “Concussion”, mas Idris Elba tem ainda mais razões para se queixar e o senhor mal se fez ouvir. Aliás até já gozou com o assunto durante os SAG Awards, em que foi apresentador. “Senhoras e Senhores, bem vindos à TV diversidade”. Bem mais eficaz que um boicote, digo eu.
Há, no entanto, celebridades que, como Elba, tem um forte sentido de humor em relação a tudo isto. E quem melhor que Whoopi Goldberg para falar (já mencionei que ela ganhou um óscar por um filme que nem é assim grande coisa?) mostrou-se bastante indignada (mas na desportiva) no episódio de segunda-feira do The View, “Querem boicotar? Então não vejam os filmes que não têm a vossa representação. Esse é o boicote que querem. Todos os anos temos a mesma conversa e começo a ficar farta”. E a senhora tem alguma razão.
Agora um aparte, será que os cabecilhas nunca pensaram em abordar este tema ANTES da temporada pré-óscares? Às vezes, pergunto-me o que pensaria Ousmane Sembène disto tudo. E, já agora, todos os realizadores africanos que estão realmente a produzir excelentes filmes e a representar a sua etnia como poucos em Hollywood fazem. Já agora se conseguirem uma cópia de “O Vento” de Souleyman Cissé façam favor de o ver. Mas não será facil Isto foi só mais um aparte dentro de um aparte.
Portanto, o que se deverá fazer? O que Barack Obama sugeriu (já que foi das melhores coisas que disse nos últimos tempos “…garantir que todos estão a ter uma oportunidade”. E, claro, premiar, acima de tudo, o talento. Bom senso, estão a ver?
Já agora, só mais uma nota. São conhecidos alguns dados relevantes dos membros que formam a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (AMPAS). Sabe-se que são perto de 5.800 os elementos votantes da Academia. Em termos de composição étnica, 94% são brancos. Os representantes afro-americanos apenas 2% e os latinos, bem, dá para ver a coisa. Quanto ao género, 77% são homens. Em termos de idade, é uma Academia envelhecida, dado que cerca de 54% tem mais de 60 anos e só 2% ainda não chegou aos 40 anos.
Analisemos agora os premiados nas categorias de interpretação e de realização das últimas quinze edições dos Óscares (2000 a 2015). Atores de raça negra premiados nas categorias de interpretação dos Óscares nos últimos quinze anos: 2002 – Denzel Washington (Melhor Ator); 2005 – Jamie Foxx (Melhor Ator), Morgon Freeman (Melhor Ator Secundário); 2007 – Forest Whitaker (Melhor Ator), Jennifer Hudson (Melhor Atriz Secundária); 2010 – Mo’Nique (Melhor Atriz Secundária); 2012 – Octavia Spencer (Melhor Atriz Secundária); 2014 – Lupita Nyong’o (Melhor Atriz Secundária). Apenas oito atores de raça negra foram premiados.
Quanto à categoria de realização, o cenário é bem mais grave. Em 87 anos de história dos Óscares nenhum realizador de raça negra foi premiado com o óscar de Melhor Realizador. Todos eles são do sexo masculino, com exceção para a realizadora Kathryn Bigelow, que fez história, em 2010, ao ser a primeira mulher a receber este óscar.