“When Boy Meets Girl”: a introdução que continua como vencedor convicto da maior das histórias que o Cinema pode-nos oferecer, converte-se no dano colateral deste “Test Pattern”. Um filme-denúncia que descura de qualquer foco exclusivo no seu tema / objeto, deixando o panfleto escancarado de lado e valorizando-se numas das grandes ferramentas da mais jovem das artes – o de inquietar o espectador.
A primeira longa-metragem de Shatara Michelle Ford aparenta ser um romance desmedido e de uma fé inabalável na sua própria natureza. Dois estranhos, nada de relacionado, conhecem-se, trocam impressões e embarcam numa viagem emocional, uma relação que se adivinha sólida, cúmplice e quase confidencial. O tempo passa para estes “pombinhos”, os laços criados assemelham a vincadas raízes. Porém, algo os abala. Uma noite de folia por parte dela – Renesha (Brittany S. Hall, da série “Ballers”) – termina num sexo não consentido com um desconhecido. Suspeitando de que a sua namorada tenha sido drogada e através disso abusada, Evan (Will Brill, da série “The OA”) a pressiona a fazer um “rape kit”, que para quem desconhece, é um pacote de itens usados nos centros hospitalares para coletar e preservar evidências físicas direcionadas para provas forenses na investigação de violação.
“Test Pattern” debate com um jeito perversamente caricato em atingir esse objetivo, ora por meios de labirintos burocráticos, por escassez de recursos, algum estigma à mistura (o facto da protagonista / vitima ser negra atribui um expoente agravado a toda a esta situação) ou incompetência dos agentes de saúde. Uma “tempestade perfeita” que vai, além de desgastar esta relação que corre em oposição ao relógio, desaba as suas pontes de união enquanto casal.
A realizadora Shatara Michelle Ford é sensível e, em certa parte, calculista em cunhar num meio de um acelerado turbilhão um enfoque às frustrações e à impotência destas personagens perante um sistema que os alberga e que, mesmo assim, dificulta a sua acessibilidade. Como filme-denúncia, “Test Pattern” faz um trabalho arrojado em inquietar as audiências ao invés de avançar em dissertações pedagogistas, e o faz através do mais simples gesto – representar uma experiência sem nunca deslavá-la dos seus fins dramáticos e psicológicos. Porque o objeto de estudo é o casal protagonista, o núcleo de uma órbita que corroí e corroí.
O resto não é somente paisagem, é alicerces para a construção das personagens e um espelho contra-corrente dos já engessados “rape revenges” (onde a violação assume-se como um impulsionador do desenvolvimento da personagem feminina), particularmente “populares” na década de 70 e que atualmente encontraram uma nova revisão e desconstrução em “Uma Miúda com Potencial”, de Emerald Fennell. Apesar da invocação, “Test Pattern” não deseja sentar em tal mesa, e sim ripostar ainda mais no tom fantasioso desse mesmo território, até porque nem todas as histórias de violação são consumadas em planos de vingança, por vezes, tais traumas transformam-se em cicatrizes, as mazelas que se acarreta até aos nossos desfechos. Ford mostrou-nos exatamente isso, num filme derrotista e fatalista.