De um lado da estrada, um parque de diversões mágico, onde os ricos vivem as suas aventuras e se perdem em fantasias. Do outro lado, ignorado e quase invisível, um motel degradado transformado em habitação. É esta a premissa de “The Florida Project”, centrada em Moonee (Brooklynn Prince), uma criança de seis anos, e na sua jovem mãe Halley (Bria Vinaite), que adotaram este motel como a sua residência permanente.
O realizador Sean Baker consegue fazer um retrato social cru e livre de qualquer tipo de eufemismos de uma classe social cujas vidas e decisões são tão facilmente julgadas. Halley prefere comprar um tablet do que uma refeição quente, ensinar a filha a enganar e roubar em vez de arranjar um emprego, mas é óbvio para o espectador que o seu amor por Moonee é real, e tem uma relação mais próxima com a filha do que muitas pessoas com mais possibilidades se podem gabar. Isto, porém, não a impede de tomar todos os tipos de más decisões, sendo claro que ela não sabe lidar com as condições de vida que leva. Cada uma das suas decisões leva a uma má situação, da qual Halley só sabe sair repetindo esse ciclo, encontrando-se embrenhada numa espiral negra que afunda cada vez mais a sua vida.
À medida que assistimos ao filme perguntamo-nos: afinal, é aquela mãe que está a falhar à filha, ou é o sistema que está a falhar a ambas? Será que elas podiam ser ajudadas? Uma questão premente que se levanta, tanto no filme, como no mundo real, é se a sociedade desistiu das pessoas que acha já não valerem a pena. Afinal Moonee é uma criança de seis anos que já rouba, destrói e ultrapassa todos os limites que lhe são impostos, mas certamente que investir na educação é uma melhor opção do que virar a cara a quem não teve a sorte de nascer com as melhores condições. É, no fundo, bastante fácil julgar as ações dos outros, mas quem somos nós para afirmar que se não tivéssemos nada, continuaríamos a encarar a vida como se houvesse luxo no nosso dia-a-dia?
Moonee e os seus amigos parecem, no entanto, não querer sequer saber das condições em que vivem. Apesar de não serem personagens romantizadas, de seguirem os maus exemplos caseiros e de fazerem todos os tipos de coisas erradas, ainda têm no seu coração a inocência que só se encontra nas crianças, e que lhes permite ser verdadeiramente felizes quando o mundo à sua volta lhes tenta retirar qualquer réstia de esperança. Saí da sala de cinema com uma questão: Moonee realmente não percebia que vivia num mundo que não a queria verdadeiramente lá? Ou a sua inteligência estendia-se para além das partidas que pregava e permitia-lhe compreender a situação à sua volta, mas estava demasiado ocupada a ser feliz para se preocupar? No fundo, acho que todos sabemos a resposta. Afinal, as crianças sabem as respostas para coisas que nem ousamos perguntar.
Baseado essencialmente no detalhe, tanto em termos das situações episódicas apresentadas, como ao nível visual, o filme retrata uma situação tão triste de uma forma bela, através da utilização frequente de cores alegres na fotografia e da centralização da história nas crianças do motel, fazendo-nos ver a beleza que há na dor daquelas pessoas, mexendo com a nossa consciência e deixando uma nota de ingratidão para com o sistema que a tantas pessoas falha, e para connosco próprios que, afinal, nunca perdemos assim tanto tempo a pensar nos outros, de tão entretidos com os nossos próprios problemas que estamos. De certa forma, nas nossas cabeças todos estamos num motel degradado com um local mágico do outro lado da estrada, mas sempre inatingível.