A co-produção entre Portugal e Albânia, com a assinatura do realizador albanês Gentian Koçi e a interpretação dos atores portugueses Edgar Morais e Rafael Morais, “Um Café e Um Par de Sapatos Novos”, chega às salas nacionais a 31 de Outubro.
O filme coloca-nos a seguinte questão: O que acontece a um ser humano quando todas as suas janelas de perceção são emparedadas de forma irreversível?
A partir dessa premissa, a produção de Koçi apresenta dois irmãos gémeos, idênticos e inseparáveis, que são surdos e mudos. Ao descobrirem a iminente cegueira que o destino lhes reserva, constroem uma nova linguagem feita de silêncios opacos.
Enredo
O filme leva-nos a Tirana, nos dias de hoje, onde os irmãos, na casa dos trinta anos, vivem juntos sob o mesmo teto. Ana, a namorada de Gëzim, uma mulher jovem e enérgica, visita-os com frequência. Numa noite, enquanto Agim conduz de regresso a casa com Gëzim, fica com a visão turva e quase sofre um acidente fatal. Alguns dias depois, na consulta com o oftalmologista, descobrem que, devido a uma doença genética rara, ficarão cegos de forma progressiva e irreversível.
Uma história baseada em factos verídicos, em que a beleza crua e, por vezes, cruel que há na tristeza, se revela em espaços temporais poéticos. Mergulhando lentamente numa muda escuridão insuportável, sem serem capazes de ver o mundo ou de se verem um ao outro, e tendo apenas Ana por companhia, diante de um café e de um novo par de sapatos, os dois irmãos veem-se confrontados com uma firme decisão.
Nesta alegoria cinemática dos próprios limites do cinema, há uma viagem a travar pela melancolia e por um desconforto que parece terminar apenas quando se tornar em conforto ou, quem sabe, em algo novo por descobrir.
Quais foram os principais desafios que Koçi enfrentou com esta obra?
Um dos maiores desafios enfrentados pelo realizador albanês foi manter um equilíbrio subtil entre o drama individual e a insuportável separação dos dois irmãos gémeos inseparáveis.
Além disso, a realização deste filme representou para ele um desafio estético: quais elementos de estilo utilizar e em que medida, para narrar a história de forma minimalista e realista, mas também dinâmica e não abusiva.
Neste contexto, a crença na subtil economia de verdades não contadas entre os dois irmãos e Ana permite que a história se desenrole ao seu próprio ritmo, deixando espaço para momentos poéticos e reflexivos. Isso mantém o espectador emocionalmente envolvido ao longo do desenvolvimento do drama. A forma como os personagens lidam com o espaço é uma das componentes visuais mais importantes do filme.
Pontos centrais
“Um Café e Um Par de Sapatos Novos” tem lugar sobretudo em locais interiores (pequenas salas, casas de banho, apartamentos, instalações hospitalares). A câmara pode, deste modo, aproximar-se mais dos personagens para penetrar gradualmente no seu estado psicológico e na evolução da sua relação. Uma componente igualmente importante neste filme é o som.
Os personagens principais comunicam em linguagem gestual albanesa, o que exige uma dinâmica e energia corporificadas quando os dois personagens comunicam ou interagem com o meio que os rodeia.
O facto de os dois personagens não possuírem perceção auditiva, leva-os a produzir sons e ruídos mais fortes do que o habitual, o que transmite ao espetador uma sensação estranha de tensão ao longo de todo o filme. A harmonia entre sons e silêncios representa o que Koçi considera ser a “música” do filme.
Em termos de tom e estilo, Koçi equilibra o que vemos e o que não vemos, libertando ao mesmo tempo sua linguagem cinematográfica das convenções tradicionais do cinema tanto quanto possível.
Os movimentos quotidianos repetitivos dos personagens, bem como os diálogos corporais mínimos e intensos numa linguagem gestual tátil, condensam fortes emoções cinemáticas, ao passo que os banhos de cores frias ajudam a revelar a soturnidade poética e reflexiva da história.
Prémios
A produção arrecadou o prémio do público no Festival Internacional de Cinema de Tessalónica, o Prémio de Melhor Realização no Bergamo Film Meeting, os Prémios Golden Sun para Melhor Filme e o Prémio da Associação de Críticos da Macedónia no Festival de Cinema Europeu Cinedays e, ainda, o Prémio de Melhor Ator para os atores portugueses, Edgar Morais e Rafael Morais, no Festival Internacional de Cinema de Pristina.