A identidade de um indivíduo é constituída ao longo de diversos capítulos da vida – uma construção sem ponto final – e pode ser categorizada ou definida de inúmeras formas. O fim de uma relação é um ponto final que resulta da transformação (mais ou menos) prolongada de uma vírgula, de um parêntesis de uma de diversas etapas que constituem o grande livro da vida. O fim de uma relação é o fim de um capítulo e um início de um outro. Este fim é o início de um dos capítulos da história de Paula, a jeune femme cuja fase de transformação e mudança – esse ponto final que, por vezes, demora e custa a ser colocado – é retratado na primeira longa-metragem de Léonor Serraille.
Paula, de 31 (dos quais assume somente 29) anos, definia a sua identidade através da relação amorosa com Joachim Deloche: uma identidade (in)definida pela existência em conjunto com um outro “eu” que não o seu. O ponto final desta relação implicou, como tal, uma (in)definição da identidade de Paula, abrindo espaço para uma transformação (ou uma redefinição) da sua existência e da sua presença no mundo. Este é o (novo) espaço, (novo) capítulo que acompanhamos: a (re)descoberta de um “eu”.
A jeune femme surge somente após uma longa transformação interior, pessoal: os fios de cabelo ruivo (que resplandecem com o toque dos raios de sol), os olhos (um castanho, um azul), os lábios rosados, a pele branca – um retrato digno de um quadro renascentista – não nos transmitem beleza, nos primeiros momentos. A beleza surge com os erros, com a aprendizagem, com a criação de novas possibilidades, que surgem através da libertação desta alma (anteriormente) encapsulada, em cativeiro pela segurança da )in)definição pessoal por complemento e em conjungação a um “outro”. A jeune femme não surge dos maravilhosos contrastes cromáticos – essa exploração atenta do azul, do branco, do vermelho -, não surge dos enquadramentos de realce do sublime do corpo em conjugação com o ambiente. A jeune femme é a mulher que vai surgindo (aos poucos e poucos) ao longo de todo o filme, que se assume (aos poucos e poucos) enquanto um indivíduo: um ser falível e real.
A jeune femme é Paula, a mulher de 31 anos que nos é retratada na banalidade – por vezes tão maravilhosa – da rotina do dia-a-dia, da crueldade – por vezes tão dura – do ser humano, da – por vezes tão errática – instabilidade que deriva da suspensão das certezas e constantes da vida. E, tal como a construção da identidade – nunca definitiva, nunca final -, somos confrontados com um (ponto) final de um capítulo suspenso, que abre uma janela de oportunidades para um futuro incerto de uma (nova e bela) mulher.
Realização: Léonor Serraille
Argumento: Léonor Serraille
Elenco: Laetitia Dosch, Grégoire Monsaingeon, Souleymane Seye Ndiaye, Léonie Simaga
França/Bélgica/2017 – Comédia/Drama
Sinopse: Um gato nos braços, portas fechadas, nada nos bolsos, esta é Paulo, de regresso a Paris depois de uma longa ausência. À medida que o tempo passa, a jovem mulher sente-se cada vez mais capaz de um recomeço.