Depois de ter confinado o corpo de Michel Fassbender numa cela extremamente exígua, em “Fome” (2008), Steve McQueen, volta a aprisionar o corpo de Fassbender, mas desta vez, dentro de si mesmo.
Brandon Sullivan (Michael Fassbender) é um publicitário, de personalidade reservada, que perfila o seu charme singular e que leva uma vida aparentemente normal, entre o trabalho, a sua casa e os bares onde leva os seus olhos a passear pelas curvaturas das silhuetas femininas para satisfazer um desejo que nunca, dentro dele, se satisfaz. A personagem principal deste filme acaba por ser a inesgotável pulsão sexual que vive dentro de si e que acaba por dominá-lo e por consumir nele uma alma que quer irromper, mas que, no fim, acaba sempre por ser sugada pela voracidade do desejo.
Mas, não é só o corpo de Brandon que se dilacera neste filme. A sua irmã, Sissy Sullivan (Carey Mulligan), também traz consigo problemas emocionais profundos, ao não conseguir estabelecer um vínculo relacional verdadeiro com alguém, restando-lhe, como última esperança, o irmão, que, tragicamente para ambos, coloca o seu isolamento acima de tudo. Sissy aparece para roubar um espaço que Brandon sabe estar condenado à extrema privacidade, e é aqui que reside o sentido do título dado ao filme. É o sentimento de vergonha que o remete para uma solidão repleta de melancolia. Este sentimento está plasmado numa das cenas mais belas do filme: quando Sissy interpreta New York, New York, de Frank Sinatra, de uma forma perfeitamente lenta e triste. É soberba a forma como esta versão da música preenche de sentido as emoções vividas pelas personagens e talvez traduza a essência do filme: aquilo que parece um hino à alegria abundante prometida pelo hedonismo novaiorquino transforma-se num fado que leva à agonia; a lágrima que irrompe do olho de Brandon simboliza essa tristeza vinda de uma vida interior dilacerada, condenada à errância e aos vendavais que sopram desde uma zona desconhecida, obscura, soberana…
Em termos de realização, o ritmo do filme encaixa-se perfeitamente na música cantada por Sissy: há uma lentidão que quer contrastar com a busca incessante de prazer que subjaz ao tema central do filme. Os planos fixos deixam transparecer uma passividade que se torna, paradoxalmente e essencialmente, actividade, ao evidenciar pormenores imagéticos fotográficos e conseguir potenciar, sobremaneira, a expressividade corporal dos atores. É preciso não esquecer: este filme fala-nos, antes de tudo, do corpo e das suas diferentes formas de afecção: são intensidades que entram pelo corpo e que acabam por transbordar pelo corpo em forma de expressão. É precisamente neste ponto que Michael Fassbender- o seu corpo – se torna algo sublime, ao deixar fluir tão bem todas estas trocas afectivas, as acelerações e lentidões. O seu corpo torna-se o rosto total expressivo onde sentimos a presença, não só dele, enquanto corpo individual, mas de tudo aquilo que o rodeia e afecta.
Este filme conquistou-me de imediato pela sua simplicidade e pela pureza com que aborda uma questão tão delicada, sem nunca cair em moralismos ou clichés de happy endig. São filmes como este que se projectam em nós e que sobrevivem para além da sua projecção cinematográfica, por abordarem com tanta dignidade e realismo assuntos que são o tabu moderno, que amiúde jazem à margem das nossas mesas redondas, enquanto nos embebedamos até à exaustão: onde está, afinal, a liberdade que em todo o lado nos é prometida?
Realização: Steve McQueen
Argumento: Steve McQueen, Abi Morgan
Elenco: Michael Fassbender, Carey Mulligan, James Badge Dale
Reino Unido/2011 – Drama
Sinopse: Brandon Sullivan (Michael Fassbender), homem de trinta e poucos anos, trabalha no ramo da publicidade e vive em Nova Iorque de forma solitária. Brandon vive numa constante busca pelo prazer sexual, enquanto se tenta perceber a si mesmo e aos seus impulsos. A chegada da sua irmã, Sissy (Carey Mulligan), emocionalmente instável, vem criar um constrangimento extra com o qual ele terá de lidar.