Quando as vidas se separam, as escolhas são as do momento e têm uma importância extrema para o futuro a advir. Postos na decisividade desses momentos, dois seres jovens serão e farão o quê? O que escolherão dizer? Fazer? Como atuarão? A posição da câmara de Celine Song coloca-os perante o momento bifurcador, as duas linhas, ruela e escadas, são as duas hipóteses de diferenciação de caminhos de vida, uma dupla abertura, estão defronte um do outro, são demasiado jovens para dizerem o que têm que dizer – mas apesar disso, e como o futuro o dirá, o poderiam ter dito, assim o soubessem comunicar – e acabar por mais não deixar registado do que um adeus tão breve quanto frio e sem peso. A câmara ficou como marca de separação, tão longe para os ver seguir linhas diferentes, mas tão perto para os julgar na imaturidade (natural) da não-decisão de expressarem o amor (o maduro que o futuro vindicará) que sentem um pelo outro e que só o tempo (força de amadurecimento) fará ser dito, comunicado, reconhecido e lamentado. A câmara de Song, ali quieta, é uma seta dupla do tempo, indica para o vindouro e reforça a sua posição de espera, pois é um passado a que os dois terão sempre que regressar e que será também sempre um tempo-bifurcação que Nora (Greta Lee) e Hae Sung (Teo Yoo) carregarão consigo, no silêncio e na fala, na separação e na dupla procura de um pelo outro, a tempos intersectados, a esquecimentos forçados e paralelos, mas igualmente no manter de uma ligação não quebrantável.
O tempo é a medida pela qual o filme se faz, através do seu construir enquanto momentos de redescoberta e afastamento (e estes são sempre estranhamente forçados, porque escusados). O tempo é o que efetivamente marca a relação de Nora e Hae Sung, sobretudo o do não, o de não se verem, o de não se falarem, mas também o de não se esquecerem e separarem totalmente. Distorção primeira da seta do tempo: após o primeiro afastamento e passados 12 anos, Hae Sung procura, através das redes sociais, por Nora. O reencontrar mútuo é uma reconexão, mas a câmara não é só a de Song, é também uma outra: a da virtualidade, a da proximidade rectangular, fantasma do próximo que está longe e do longínquo que tão aproximado parece, enquanto a possibilidade de um ver que é quase um sentir, um viver conjunto e um recrudescer da vontade de tocar. No entanto, e paradoxalmente, ocorre a decisão mútua de se separarem novamente – porque ela se quer dedicar ao estudo e à carreira de dramaturga e ele porque está afinal, demasiado longe e eles “não são namorados” – a qual desmente a relação rejuvenescida e que é assim quebrada por um segundo tempo de separação, que assim termina com o encurvar do tempo-bifurcação (a partir do ponto que os afastara inicialmente e que,na sua forma de uma seta dupla) de uma linha de dois tempos feitos um só) que converge (quando junta) e diverge (quando separa). A câmara não chegava? Ou chegava só o suficiente para obrigar a um adeus sem sentido, e ainda por cima, mascarado de um período de pausa? A perplexidade é essa mesma: se o tempo os separa, porquê dar ao tempo a faculdade de ainda mais os afastar? Ainda que o tempo-fator se ligasse ao não dizer enquanto forma de desligamento, tal como no caminho que os dividiu primeiramente, também aqui o não-dito – e que deveria ter sido dito – marca, não na lateralidade, mas na frontalidade, no olhar nos olhos, essa decisão de não comunicar novamente e a aceitação do um novel re-afastar.
O perplexo não confia, antes espera: o quê? Que tudo se resolva e se re-enquadre novamente. Será ainda possível? Somente a segunda distorção da seta do tempo, na sua impossibilidade de reformular o conjunto, pode deixar expresso, registado e confirmado o amor que já não se poderá consumar. Outra década e um pouco mais se passa. As linhas de vida ainda mais se marcaram como as de um afastamento provocado: Nora casou-se com Arthur (John Magaro) e ambos vivem enquanto um casal de escritores nova-iorquinos. Hae Sun é um engenheiro de ambição mediana, angustiado com a dúvida de se casar ou não com a namorada e embrenhado no pensar tradicionalista coreano. Nora é já americana, Hae Sum permanece coreano. Ela é assimilada, ele é classista. No entanto, ele desloca-se aos Estados Unidos, expressamente para a ver, e colocando as desculpas de “viagem de férias” à parte – as razões da sua ida são mais que óbvias: dizer-lhe o que nunca disse nas duas vezes em que o deveria ter dito. Na conversa que têm no bar, tudo finalmente se expressa, não há câmaras ou ecrãs que sejam véus, há sim o dizer e a face, o amor e o reconhecimento de que tudo poderia ter sido diferente. Os tempos do tempo são sempre diferentes e há um outro tempo que também ali está, o de Arthur, sabedor talvez, desconfiado pelo menos, de que é aquele que está no lugar daquele que nunca poderia ter estado. A percepção e uso do conceito das “vidas passadas”, estranho aos mais materialistas e concretos, descoroaça e abala: são os próprios Nora e Hae Sun que afirmam que nunca ficarão juntos. Mas que tanto o querem, eles o sabem. A seta do tempo, que ainda se esperava que se pudesse acoplar, separar-se-á definitivamente.
O travelling que antecede a despedida é o suspender e o não querer o adeus definitivo. Os dois minutos que Hae Sun diz serem de espera final pelo carro que o levará são uma outra extensão do tempo, corpos em pé, próximos e que se querem aproximar ainda mais, um outro tempo se entrecorta com atual, sem aviso, mas com a forma de um completar de uma circularidade temporal necessária: a mesma noite se faz a noite que não foi, 24 anos antes, os dois miúdos de 12 anos olham um para o outro, a câmara de Song no mesmo ponto, mas agora enquadrando-os em conjunção comunicacional. O que havia para dizer já foi dito, o tempo que poderia ter sido não o foi, o tempo que se fez não pôde ser sem o tempo que não se conseguiu fazer. Foi o que foi, é o que é, o que não foi não foi, será agora o que terá que ser. O travelling deixa partir Hae Sun e acompanha Nora no regresso ao tempo em que agora vive. Hae Sun segue para o seu.