Speed, I am speed! Lembram-se? O carrinho vermelho, brilhante, todo convencido. Sim, o Faísca McQueen, na brilhante animação da Pixar. “F1” é, digamos, uma versão à altura, em imagem real, mesmo assumindo a ousadia de intrometer uma ficção no meio da realidade do campeonato do mundo, quase sem dar nas vistas. O espetáculo audiovisual é pleno, possivelmente, no melhor filme de corridas de sempre.
Sejamos claros, a simples ideia de emular a adrenalina da Fórmula 1 não significa uma autoestrada aberta para fazer salivar de ansiedade os entusiastas ao cinema. Ao longo dos tempos foram diversas e variadas as tentativas de seduzir os entusiastas da condução, em geral, e da F1, onde nos incluímos. Na década passada, Asif Kapadia deu um belo contributo, do lado do cinema do real, com “Senna”, em 2010, e Ron Howard, em 2013, do lado da ficção, como “Rush – Duelo de Rivais”, recordando o duelo entre o rookie James Hunt a o ‘mestre’ Nicky Lauda, bem como a versão em documento, “Hunt vs. Lauda”, de Matthew Whiteman, recuperando esse final de campeonato mágico no ano de 1976. Por fim, recorde-se até o mítico clássico vintage “Grand Prix”, de John Frankenheimer (1966) e até encaixar a recente entrega de Michael Mann, “Ferrari”.
Como se observa, a lista é longa e recheada. Todavia, damos de bom grado a mão à palmatória neste majestoso produto, com selo de blockbuster e tudo. Até porque há vários pontos a favor, que não eram dados como adquiridos.
Vejamos então. Desde logo, Brad Pitt a não ficar nada mal na fotografia ao volante como o ‘velho’ sexagenário ao volante de feroz Fórmula 1; o outro, é JosephKosinski, experiente realizador de publicidade hi-tech, bem como de filmes com perfil blockbuster. É dele o último “Top Gun: Maverick”, entre outras entradas menos relevantes; por fim, admitamo-lo, o mega produtor Jerry Bruckheimer, neste acertado come back, a reclamar a sua ribalta e a emprestar o devido pedigree e a luz verde para o projeto acelerar.
A verdade é que mesmo com todos estes trunfos, quantos projetos megalómanos como este vimos dar com os burrinhos na água? Mas F1 consegue a proeza de trazer para a tela IMAX (a sala em que p filme deve ser visto) a mais estonteante reprodução da prova rainha da velocidade.
Mas vamos a Brad Pitt. Ele que aparece em cena, com o seu ar de cowboy, um pouco como em “Thelma e Louise” (lembram-se?). Aliás, a pinta de Pitt está até mais próximo de um John Wayne, em “Red River”, por exemplo, a lidar com o rookie intempestivo com o semblante de Montgomery Cliff, do que propriamente de um Rei, na animação da Pixar, ainda que a referência seja incontornável. De resto, o filme assenta numa passagem, de testemunho entre o veterano experiente e o novato impulsivo. E não é essa, em grande parte, a mitologia do cinema?
Pitt é Sonny Hayes, uma variante de cowboy do asfalto, sobrevivente de um acidente quase fatal há três décadas. Durante esse tempo, fez a sua travessia do deserto, deu cartas como jogador profissional e até deu boleias como taxista. Isto até entrar nos eixos como condutor for hire, a viver na sua caravana e mostrando os seus dotes de estratega e volante endiabrado. Conhecedor desta raça de má fama, de dar tudo em pista e de ter estranhas estratégias de ‘vale tudo’, Ruben/Javier Barbem desafia o ex-companheiro de velhas andanças para um lugar como segundo piloto da equipa de F1 que dirige e a precisar desesperadamente de um ‘milagre’. Como se prevê, o guião urdido por Kosinski e Ehron Kruger, segue os ditames do género procurando estabelecer as condições necessárias que vinguem uma trama que não negligencie uma veia shakespeareana. Seja pela inquietação do rookie Joshua Pearce (Damson Idris), das maquinações de membros do conselho de administração da equipa ou até do inevitável laço amoroso, com a diretora técnica Kate McKenna (Kerry Condon). Tudo para alimentar prender a atenção do aficionado (e não só), durante duas horas e meia sem olhar para o relógio (ou telemóvel, já agora, essa nova moda), ao longo do tour, entre Silverstone e Abu Dhabi, em imagens com sequências que resgatam uma simulação perfeita. A malta do videogame saberá. Pelo meio, percebe-se algum carinho por recordar certos momentos, como o acidente de Martin Donnelly, em 1990, em que o piloto é cuspido fora do cockpit, ficando enrolado na pista e ficando paraplégico.
“F1” tem a impetuosidade de filme total, combinando o ambiente dentro de uma equipa, a gestão de emoções, com a filmagem, sempre alucinante, de imagens reais de corridas. Desde logo, Lewis Hamilton, que aparece, não só como piloto, mas também creditado como produtor. Em que Brad se passeia ao lado dos verdadeiros pilotos. Ou como aquele momento, na pista, entre Pitt e Max Verstappen na pista, em que o americano solta “caramba, este tipo é mesmo bom!!”. Enfim, tudo embrulhado com uma banda sonora, muito rock’n’roll, em que o tema dos Led Zeppeling Whole Lotta Love, de 1969, ajuda a elevar o ponteiro da tensão ao nível da descolagem.
