“A Scary Movie”, uma pequena dádiva cinematográfica

Sergio Oksman e Daniel Blaufuks A Scary Movie Sergio Oksman e Daniel Blaufuks A Scary Movie
Sergio Oksman e Daniel Blaufuks © Marco Barada

Do you like scary movies? What’s your favourite scary movie? A demanda sobre a pulsão do medo entrou para o panteão do cinema com um fervor acrescido, sobretudo desde “Gritos” (1996), de Wes Craven, como que a dar fôlego a uma das suas evocações primordiais. “Una Película de Miedo / A Scary Movie” (o título português) teve a sua estreia mundial em San Sebastián, com o realizador brasileiro Sergio Oksman e o fotógrafo — aqui também ator — Daniel Blaufuks (bem como a atriz Ana Moreira) a comprovarem como é possível imprimir uma nova dose de frescura a um território muito revisitado.

Por exemplo, no fascinante jogo entre a sua própria realidade, a do seu filho e a memória do cinema. Sejamos claros: “A Scary Movie”, uma produção espanhola com a portuguesa Terratreme, é muito possivelmente um dos filmes mais interessantes de San Sebastián 2025. Vamos a ele.

Oksman parte do cliché do hotel abandonado, enquanto lugar mítico do género do terror. Naturalmente, “The Shining”, de Stanley Kubrick, é a referência obrigatória para este novo “A Scary Movie”. No caso, a Residencial Terminus, ali mesmo na Av. Gago Coutinho, a caminho do aeroporto de Lisboa. É neste espaço semi-abandonado, à espera de renovação, que Oksman pretende construir uma narrativa que passa também pelos próprios fantasmas familiares.

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Como o próprio nos explica, numa gravação áudio enviada após a sessão: A ideia surge a partir de uma brincadeira com o meu filho (Nuno, hoje com 12 anos). Ele estava muito interessado nas situações de medo em filmes de terror. Então decidi levá-lo a Lisboa para lhe contar a história de um filme interrompido.

No fundo, a narrativa de “Os Crimes de Diogo Alves”, uma curta-metragem da autoria de João Tavares, estreada em 1911 — encarada como a primeira ficção portuguesa, sobre o “assassino do Aqueduto” — e que o próprio Oksman teria tentado abordar em 2010, ainda antes do nascimento do filho, como nos explica. À medida que preparava esse filme, surgiu a ideia de viver uma situação parecida com um filme de terror. Foi aí que surgiu a ideia de pedir ajuda a amigos, como o fotógrafo lisboeta Daniel Blaufuks, amigo de longa data de Oksman.

Ao Cinema7Arte, Blaufuks agradeceu a Sérgio Oksman por o ter deixado ser eu próprio, talvez mais do que sou na realidade. Na verdade, sou uma versão alargada de mim próprio. Ou, como assume por piada, uma mistura entre mim e um Jack Nicholson do “Shining”.

O curioso no filme é perceber como a experiência de Nuno nesse hotel abandonado não o impressiona, durante a visita que fazem em 2023, onde pai e filho permanecem, contando histórias de terror, tentando aprender português — uma língua que o rapaz fala pouco — e, pelo caminho, tentando “improvisar o filme”. Aliás, uma das cenas mais divertidas revela Blaufuks a tentar hipnotizar Nuno para que ele aprenda a falar português.

Na verdade, como relata o realizador de 55 anos, natural de São Paulo, percebi que tinha chegado tarde, porque nem o hotel, nem os quartos vazios, nem nada do que planeámos transmitiram medo ao meu filho. Ele já não tinha esse tipo de medo infantil; já estava quase a transformar-se num adolescente.

Acaba por ser então durante a montagem que Oksman esboça um filme de ficção. Nesse sentido, é curiosa a visita que a equipa faz ao ANIM (Arquivo Nacional das Imagens em Movimento), onde Ana Moreira, no papel de técnica, revela ao rapaz o fascínio da memória e do arquivo fílmico, sugerindo-lhe retirar dos cofres uma versão de “The Shining”.

É também nessa variante da realidade que Blaufuks embarca nesta oportunidade de ser uma espécie de ator, mesmo continuando a ser o Daniel, ou como uma versão alargada de mim próprio.

No limite, como diz em tom jocoso, sou uma mistura entre mim e o Jack Nicholson do “Shining”. Mesmo que o filme tenha a ver também com o meu trabalho, com esta ideia da fotografia que atravessa as gerações, da fotografia como uma semi-verdade, uma meia-mentira, etc. Este filme vem colocar essa mesma questão, à partida, no contexto do cinema.

“A Scary Movie” é então esse filme que capta o último verão da infância do meu filho, diz o autor de “O Futebol”, centrado na relação com o seu pai durante o Mundial de 2014 no Brasil.

Talvez nos faça pensar no efeito que o cinema tem em nós ao longo dos tempos, mas pensado de uma forma também familiar, como quando Sergio tenta ver o que aconteceria se juntasse as imagens de dois anos antes, já uma espécie de imagens de arquivo, com imagens de um arquivo familiar, do meu pai, dos meus avós. Pois foi precisamente durante a montagem e nesse encontro de imagens de arquivo que apareceu o filme, digamos, de terror do pai, do adulto, do cineasta.

É neste sentido que “A Scary Movie”esse não-filme e esse não-documentário, como lhe chama Daniel Blaufuks — acaba por ser uma pequena dádiva cinematográfica. Sim, também sobre a nossa memória, os nossos fantasmas.

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“A Scary Movie”, uma pequena dádiva cinematográfica
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