Há filmes que nunca perdem a capacidade de nos interpelar, e “Carlota Joaquina, Princesa do Brasil” é um desses casos raros. Estreado em 1995, num momento em que o cinema brasileiro começava a renascer das cinzas, o primeiro trabalho de Carla Camurati — que o realizou e produziu ao lado de Bianca de Felippes — quebrou preconceitos e encheu as salas com uma história que misturava ironia, escárnio e beleza visual.
Agora, a propósito dos seus trinta anos, o filme volta a exibir-se em cópia remasterizada, provando que o tempo apenas aguçou o seu impacto.
É difícil esquecer Marieta Severo como Carlota Joaquina, num desempenho avassalador que já fazia antever a actriz que todos passámos a admirar. Ou Marco Nanini, que dá uma humanidade quase enternecedora a Dom João, Marcos Palmeira como Dom Pedro I e Vera Holtz como Maria Luísa de Parma. Todos eles regressam a partir de 14 de Agosto às salas, num circuito que atravessa dez capitais do Brasil, com a promessa de nos devolver o prazer da descoberta.
Na sua essência, o filme continua a dizer muito sobre o que somos. Ao retratar a corte luso-brasileira entre luxos e acordos convenientes, Camurati e Melanie Dimantas, que coassinam o guião, brincam com os mitos da nossa própria história e apontam o dedo a desequilíbrios que, afinal, nunca desapareceram.
Revisitar “Carlota Joaquina, Princesa do Brasil” nos cinemas, em plena era digital e num momento em que tanto se discute o nosso passado colectivo, é um convite a rir e a reflectir. E a recordar que, às vezes, o melhor que o cinema pode fazer por nós é abrir-nos os olhos sem nunca nos roubar o sorriso.
Mais do que 30 anos
Para Carla Camurati, este momento ultrapassa a mera dimensão simbólica, configurando-se como a concretização do diálogo contínuo entre a obra e o público. Ver a sua primeira longa-metragem ganhar nova vida três décadas após a estreia é testemunhar a persistência de uma linguagem cinematográfica capaz de atravessar o tempo, reafirmando-se enquanto reflexo e questionamento das complexidades históricas e culturais que ainda nos definem.
“É uma emoção profunda saber que a minha primeira longa-metragem vai reencontrar o público no cinema. Revendo-o hoje, percebo que continua a pulsar com uma força surpreendente. A crítica e o tom satírico, que já eram ousados na altura, talvez sejam ainda mais compreendidos pelas novas gerações. Vai ser lindo ver jovens, professores e famílias a descobrirem — ou a reverem — o filme no cinema, que para mim continua a ser o espaço ideal para a experiência colectiva da arte.”
Carlota Joaquina, Princesa do Brasil
Situada no limiar entre os séculos XVIII e XIX, a narrativa acompanha a trajectória de Carlota Joaquina desde os seus dez anos, quando é prometida em casamento a João, príncipe de Portugal. Apesar da pouca idade, já revela inteligência e instrução que lhe valem a aprovação da corte espanhola, que a envia para Lisboa com grandes expectativas.
Contudo, a realidade que encontra está longe do esplendor pintado nos retratos e codificado nos protocolos da nobreza. João, de temperamento reservado e introspectivo, prefere a contemplação do canto sacro e o silêncio do cultivo das flores à companhia da esposa, mergulhando num universo privado que escapa às cortes e intrigas.
Com a morte inesperada do príncipe herdeiro e o agravamento da saúde mental da rainha D. Maria I, o casal é elevado ao trono português num momento de grande instabilidade. As ondas revolucionárias que sacodem a Europa e a ameaça constante das tropas napoleónicas levam a corte portuguesa a protagonizar uma das mais singulares fugas da história, deslocando-se silenciosamente para o Brasil.
Este episódio não só altera decisivamente o destino da colónia, como inaugura uma nova fase na relação luso-brasileira, lançando as bases para as transformações que moldarão o futuro de ambas as nações.
“Queríamos comemorar a data redonda de Carlota Joaquina e tivemos a sorte de celebrar os 30 anos da Retomada num momento histórico para o cinema brasileiro, com a conquista do Óscar. De Carlota a Ainda Estou Aqui foi uma longa travessia. Este relançamento é uma forma de contar essa história e a emoção de ver o filme em 4K, no grande ecrã, é insubstituível”, afirma a produtora Bianca de Felippes.