No início do ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou duas leis importantes aprovadas pelo Congresso Nacional, que terão um impacto relevante no setor audiovisual do Brasil. A primeira reintroduz a cota de tela para a exibição de filmes brasileiros nos cinemas. A segunda lei restabelece o prazo para a exibição obrigatória de obras audiovisuais nacionais nos pacotes de TV por assinatura.
No que se refere à cota de tela para filmes brasileiros nos cinemas, o prazo foi estendido até 2033, conforme estabelecido pelo Projeto de Lei (PL) 5.497/19, que foi aprovado pelo Senado em dezembro do ano passado, após ter passado pela Câmara dos Deputados. A sanção presidencial ocorreu sem vetos.
A lei estabelece que entre 7,5% e 16% da programação das salas de cinema deve ser destinada a filmes brasileiros. Além da lei e do decreto que instituem essas cotas para fortalecer o cinema nacional, o Governo Federal alocou R$ 1,6 bilhão para o setor audiovisual.
A Agência Nacional do Cinema (Ancine) terá a responsabilidade de estabelecer anualmente a quantidade mínima de sessões e obras a serem exibidas, levando em consideração a diversidade, a cultura nacional e a universalização do acesso. O descumprimento dessa medida pode resultar em advertências e multas para as empresas exibidoras. O valor da penalidade corresponderá a 5% da receita bruta média diária do complexo cinematográfico responsável, multiplicada pelo número de sessões em que ocorreu o descumprimento.
Na opinião do cineasta e professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, Carlos Calil, essas medidas, embora importantes, não são suficientes.
“O mercado do cinema no Brasil pertence ao cinema americano e não ao cinema brasileiro. Se não for criado um sistema de cotas, os exibidores só vão escolher os filmes americanos, por isso é necessário. Entretanto, as cotas determinadas pelo Decreto são pequenas e quem escolhe o filme brasileiro que vai entrar na programação ainda é o exibidor. Por isso, a cota de tela não garante a exibição dos filmes, pois o que se garante é apenas um espaço dentro da programação e de datas disponíveis no cinema”, declarou Calil em entrevista ao Jornal da USP.
Calil considera que, apesar da implementação das cotas, o que realmente atrai o público são os filmes comerciais. Para que mais brasileiros valorizem as produções nacionais, é essencial que se produzam mais filmes com apelo comercial e que sejam estabelecidas políticas públicas que incentivem essas produções, gerando renda para o País.
Saindo um pouco do Brasil, as cotas têm alcançado resultados positivos em outros países. Segundo uma pesquisa realizada pela Agência Nacional do Cinema (Ancine), o market share de filmes nacionais na Coreia do Sul atingiu 57% em 2014, enquanto na França esse percentual foi de 36,8% no mesmo ano.
Para o Jornal da USP, Gabriela Andrietta, mestre em Estudos Culturais pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP e doutora em Artes Visuais pela Unesp, detalha que esses percentuais refletem características culturais específicas.
Ela observa que, na Coreia do Sul, há casos em que a própria população organiza visitas aos cinemas para verificar a exibição de filmes nacionais. Na França, existem salas de arte e ensaio dedicadas a filmes de arte e nacionais, evidenciando um hábito cultural enraizado na sociedade.
No que diz respeito ao sucesso do cinema sul-coreano, Andrietta atenta que ele vai além das políticas de cota de tela. Segundo ela, o governo coreano reconheceu o potencial comercial e industrial do cinema e conseguiu atrair investimentos dos chaebols — conglomerados e empresas familiares que representam a economia sul-coreana no cenário internacional. Esse investimento permitiu que os produtores obtivessem retorno financeiro e impulsionou ainda mais a indústria cinematográfica no país.
No caso do Brasil, a especialista aponta que o afastamento do público das produções nacionais é evidente, uma vez que muitos cinemas ainda são elitizados e, portanto, não são acessíveis para toda a população. Ela destaca que os cinemas estão concentrados em shoppings, que frequentemente possuem estacionamentos caros, criando uma barreira natural ao acesso. Atualmente, há poucos cinemas de rua, e esse hábito precisa ser mais acessível e valorizado.
Andrietta acredita que os incentivos estatais ao cinema não devem se limitar às cotas de tela. Ela ressalta que a política de cotas deve ser apenas um aspecto de uma estratégia mais abrangente, como é o caso na Coreia do Sul. Para ilustrar, ela menciona o Festival Internacional de Cinema de Busan, que amplia a visibilidade dos filmes sul-coreanos tanto no país quanto internacionalmente.
A partir de informações do Jornal da USP