Festival de Pordenone: o olhar do passado refletido no presente

O rosto de Dorothy Mackaill interroga-nos e desafia-nos sobre uma edição que reflete o presente a partir de uma homenagem ao arquivo
Pordenone Silent Film Festival Pordenone Silent Film Festival
Foto de: Valerio Greco

Há um gaze que nos fita e interpela no cartaz da 44ª edição Pordenone Silent Film Festival, que decorreu de 4 a 11 de outubro no Teatro Verdi, em Pordenone, Itália. Talvez até o rosto de Dorothy Mackaill nem será o mais conhecido no panteão do cinema mudo. No entanto, isso só constitui uma razão suplementar para ver “The Man Who Came Back” – não o filme de Roul Walsh, de 1931, com Janet Gaynor, já no período sonoro, no fundo, a sequela da produção de 1924, assinada por Emmett J. Flynn.

Talvez até um olhar que atravessa os tempos e nos confronta com a realidade dos dias de hoje. E que, curiosamente, numa crítica da Variety da altura (recorde-se que estamos em 1924), o articulista queixa-se que existem demasiados close ups de Miss Mackaill, acabando por sentenciar que ninguém deveria fazer um grande plano dela com o rosto integral, comentando o desvantagem do… nariz dela. Enfim, fica a curiosidade suplementar.

O que importa é que o Festival de Pordenone proporciona uma nova viagem pela história do cinema, recordando-nos como a memória nos permite reconfigurar o presente e até moldar o futuro. Sim, o cinema sem palavras, mas com acompanhamento ao vivo que transforma cada sessão num espaço onde o sonho se combina com o entretenimento numa sala de cinema.

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A câmara de Buster Keaton tomou conta da abertura, justamente com “The Cameraman” (1928), com o acompanhamento musical ao vivo da Zerorchestra, estando a sessão de encerramento igualmente entregue a Keaton, com “Our Hospitality” (1923) e música ao vivo pelo compositor esloveno Andrej Goričar, segundo o festival, como forma de homenagear as cidades de Gorizia e Nova Gorica, como capitais europeias da Cultura. Isto dois anos antes de Pordenone ser, igualmente, capital europeia da cultura, portanto, em 2027.

Voltando ao olhar de Dorothy Mackaill, talvez ele nos remeta para este tempo marcado por conflitos. Um dos eventos mais aguardados poderá ser mesmo documentário e os reels de notícias “Palestine — A Revised Narrative”, num trabalho de restauro pelo Imperial War Museum.

Da mesma forma, a memória do cinema ucraniano do período mudo, evocado em obras pioneiras, como “Troye” (1928), com argumento de Vladimir Mayakovsky e Pryhody Poltynnyka (1929), com orquestração de Olga Podgaiskaya. Dois testemunhos históricos vitais que demonstram o papel do arquivo na documentação, mas também a reflexão e comentário sobre conflitos. Mesmo quando usam também o humor como ato de resistência.

Quem puder seguir o festival até ao final, por certo não irá perder a estreia mundial de “Shoulder Arms”, o filme anti-guerra de Chaplin, num restauro do MoMA, para ser exibido em combinação com “Soldier Man” (1926), de Harry Edwards, dois exemplos da crítica social aguda nesse tempo.

Ainda a reter a retrospectiva sobre Italia Almirante Manzini, uma estrela do cinema mudo italiano, cujos filmes raros, muitos deles já desaparecidos. Um outro ponto de atenção aos diversos filmes regionais raros, nomeadamente, de Aleppo, na Síria, mas também Palestina, Brasil, Nova Zelândia, Coreia ou Argentina. Ou a descoberta das animações japonesas em papel matte, dos anos 30. A forma que a indústria fragilizada substituiu a falta de película por um suporte mais barato.

Material agora digitalizado e, como acontece sempre, acompanhado de música ao vivo. Aos simpatizantes do cinema mudo que não puderem estar em Pordenone, o festival foi gradualmente facilitando um acesso online, através de uma assinatura (em conta) que permite seguir um programa selecionado que fica disponível aproximadamente durante dois dias.