Festivais que celebram a sétima arte são, muitas vezes, políticos. A Berlinale que o diga.
No Brasil, entretanto, a Setima Arte não teve que lutar “somente“ contra a pandemia, durante a qual as salas de cinema ficaram 8 meses fechadas. Desde 2018, com a posse de Jair Bolsonaro, o país até então vinha, representado nos Festivais de Categoria A, encantando o mundo com sua diversidade cinematográfica resultante de uma política pública que possibilitou o emergir do cinema de pernambuco, do ceará e de outros tantos Brasis, que o mundo desconhecia, foi condenada ao ostracismo; de astronómicos empecilhos burocráticos e redução radical do orçamento de editais.
Com a extinção do Ministério da Cultura e com a Agencia Nacional de Cinema (ANCINE), asfixiada pela censura, o Brasil sumiu dos festivais, como também do chamado sinteco político.
A volta do Festival do Rio (este ano a 24.ª edição), o mais importante da América do Sul, trouxe um frescor alinhavado de várias conotações: o sinal que sai daqui para a Arte Visual no país e fora dele mostra que o cinema brasileiro continua pulsante, arrebatador e encantando pela sua diversidade.
Com o Segundo Turno das eleições presidenciais e a real possibilidade de mudança, o solo carioca e berço do cinema, a Cinelândia, se mostrou um solo especialmente político, teve cara de Manifesto. Inúmeros visitantes com camisetas e adesivos exibiam a vontade de mudança. Além do político, o festival trouxe de volta aquilo que nós mais sentimos falta: longos abraços, sorrisos, olhos brilhando, aquele encontro com um colega que tu não vias há anos, a descoberta de novos filmes, encontro com diretores que conhecia de Berlim (a cara de espanto do Roberto Berliner ao ouvir de mim que estava na primeira fileira quando ele lá foi, para apresentar seu filme, não tem preço) o criar de novas amizades e o melhor de tudo: a volta das conversas acaloradas sobre histórias nossas, sobre nós ou sobre como definir e entender o momento político pelo qual passamos, como o novo filme da realizadora Carolina Jabor, “Transe“.
Para finalizar o pacote de características positivas, o ODEON, templo do cinema carioca e que ficou fechado durante 3 anos para reformas, voltava como o palco principal do Festival do Rio. O literal estrondoso sucesso da edição 2022 se deve também a mulheres bravas, no comando da organização do festival. O carinho, a receptividade e a boa vontade de sempre atender nosso pedidos, arrematam a minha primeira experiência num festival que deixa muitas saudade.
Com a volta de um mix entre apoio institucional e com a potente SHELL Brasil, da iniciativa privada o Festival do Rio, aos poucos, volta ao caminho de estabilidade financeira e ao glamour que merece, como espelho de como é vibrante o cinema brasileiro. A estonteante beleza natural da cidade, é o melhor cenário.
Inclusão
A programação do festival brilhou no quesito inclusão, em várias formas: nos filmes que foram escolhidos, nos voluntários e membros fixos da equipe, mas também nos frequentadores.
Filmes que denunciam a intolerância religiosa, “Exu e o Universo“, de Thiago Zanato, e “Ultimo Domingo“, estiveram presentes e instigaram longas discussões depois da projeção.
Porém mesmo na tradicional solo cinematográfico do Rio de Janeiro, a Cinelândia, fora do cercadinho que protegia o tapete vermelho do principal cinema do festival, via-se a miséria de pessoas dormindo nas ruas ou como eu mesma presenciei na noite de domingo (16), quando aconteceu a premiação; uma menina muito jovem, encolhida na cadeira de rodas, com o rosto quase invisível coberto por um boné, vendia doces, ali ao lado das estrelas e os recém-premiados, era invisível, para a maioria alí presente. Continuamos a viver numa bolha confortável, olhando somente para o nosso umbigo.
Em seu discurso na cerimonia de encerramento, a co-diretora Ilda Santiago ratificou o caráter inegociável da diversidade e aceitação do festival. O diretor da Shell Brasi já garantiu a continuidade do patrocínio para a próxima edição, angariando calorosos aplausos ao divulgar a boa nova.
O apoio de uma multinacional que já esteve envolvida em muitos casos de violação do Meio Ambiente é bem-vindo, decerto para os dois lados, mas o clipe apresentado antes do início dos filme exibe um mundo limpo e inclusivo e regado pela biodiversidade, tem um gosto amargo de história da Carochinha. Bem sabemos sobre o Portfólio da Global Player, mas o departamento de Marketing sabe que nada melhor do que o setor cultural, para positivizar a logo-marca no posicionamento do produto. Em suma: mesmo com um olhar crítico, a parceria e resume uma win-win-situation.
Agora, com a prefeitura do Rio de Janeiro, com Eduardo Paes voltando a dar institucional apoio, o festival conseguiu “respirar“, mas ainda está longe da forma em que se encontrava durante o governo do PT e antes da pandemia, mas a edição 2022 mostrou que o Festival do Rio está de volta; o regozijo estava no ar, o tempo todo. Com a volta do Festival, retorna também a esperança e o vislumbrar de um futuro melhor: para a cultura, para as Artes Visuais e pro Brasil.
PREMIADOS PREMIÈRE BRASIL 2022
PREMIÈRE BRASIL
Melhor longa de ficção: Paloma, de Marcelo Gomes (Carnaval Filmes)
Melhor longa documentário: Exu e o Universo, de Thiago Zanato (Em Caliente Films)
Menção honrosa do júri: 7 Cortes de Cabelo no Congo, de Luciana Bezerra, Gustavo Melo e Pedro Rossi
Prêmio Especial do Júri: Mato Seco em Chamas, de Adirley Queirós e Joana Pimenta (Cinco da Norte)
Melhor direção de ficção: Julia Murat, por Regra 34
Melhor direção de documentário: Juliana Vicente, por Diálogos com Ruth de Souza
Melhor fotografia: Joana Pimenta, por Mato Seco em Chamas
Melhor roteiro: Carolina Marcowicz, por Carvão
Melhor direção de arte: Marines Mencio, por Carvão
Melhor montagem: Matheus Farias, por Propriedade
Melhor atriz coadjuvante: Aline Marta, por Carvão
Melhor ator coadjuvante: Timothy Wilson, por Fogaréu
Melhor ator: Dario Grandinetti, por Bem-vinda, Violeta!
Melhor atriz: Kika Sena, por Paloma
Melhor curta: Escasso, de Clara Anastácia e Gabriela Gaia Meirelles
PREMIERE BRASIL NOVOS RUMOS
Melhor longa: Três Tigres Tristes, de Gustavo Vinagre
Melhor direção: Leonardo Martinelli por Fantasma Neon
Prêmio Especial do Júri: Maputo Nakuzandza, de Ariadine Zampaulo
Melhor curta: Curupira e a Máquina do Destino, de Janaina Wagner
PRÊMIO FELIX
Melhor Filme Brasileiro: Paloma, de Marcelo Gomes
Melhor Documentário: Corpolítica, de Pedro Henrique França
Menção Honrosa: Não é A Primeira Vez que Lutamos pelo Nosso Amor, de Luis Carlos de Alencar
Melhor Filme Estrangeiro: Meu Lugar no Mundo (Mi Vacío y Yo), de Adrián Silvestre
Prêmio Especial do Júri: Fogo-Fátuo, de João Pedro Rodrigues