“Mickey 17” – A importância do cinema sul-coreano e uma reflexão sobre a preguiça como obstáculo ao conhecimento

"Mickey 17" (2025), de Bong Joon Ho "Mickey 17" (2025), de Bong Joon Ho
"Mickey 17" (2025), de Bong Joon Ho

Bong Joon-Ho traz-nos um filme que não deixa de ser cinema, mas que fica aquém daquilo que outrora já nos trouxe. Ideia fora da caixa, como já é hábito, porém não há algo que quebre a linha reta que o filme apresenta, algo que nos surpreenda verdadeiramente. O filme não vive propriamente em harmonia. A narração no tom monótono de Robert Pattinson atrapalha, assim como a banda sonora que não ajuda em nada e, apesar da qualidade dos efeitos visuais, estes não são particularmente inovadores e acabam por não deslumbrar. A única coisa que salta à vista, para além da imaginação do realizador, é a prestação de Pattinson. O ator continua a superar-se e a surpreender, conseguindo desprender-se de tudo o que já fez, não sendo igual a nada, somente igual a si próprio, reinventando-se uma vez mais. Sobre os seus pares, embora mostre uma vez mais a sua estria, Mark Ruffalo não despe a personagem de “Pobres Criaturas” e Toni Collette, que não deixa de nos trazer coisas que não são novas, mas quando se fala de Toni Collette, não há problema nenhum em ser mais do mesmo uma vez que é sempre tão bom. Já Steven Yeun, sem grande impacto no filme, revela-se competente e não desalinha.

“Mickey 17” é mais um filme que surge de uma mente de um cineasta asiático que traz ideias novas, arrisca, provoca e faz tudo isto constantemente sem qualquer receio, o que eleva o cinema em geral e, mais em concreto, o cinema sul-coreano. Foi assim em “Memórias de um Assassino”, em “Mother – Uma Força Única”, em “Snowpiercer – Expresso do Amanhâ” e, mais recentemente, em “Parasitas”.

A preguiça como obstáculo ao conhecimento

Com este filme, o que Bong Joon Ho nos quer trazer, para além da ideia louca dos descartáveis e dos habitantes do planeta Niflheim é a critica sagaz que faz ao momento que vivemos. O intuito é provocar, questionar, exaltar o conflito. Há quem considere o filme superficial, que coloca questões, mas que não vai ao fundo. Talvez o propósito fosse mesmo esse, colocar questões. Queixar-se que é superficial é igualmente superficial. As questões estão lá. Agora deste lado o objetivo é colocar a preguiça de lado. Fomos provocados, agora reflitamos. Pensemos de forma crítica. Façamos uma reflexão profunda sobre o momento que estamos a viver, sobretudo em termos políticos, que é o pretexto do filme, refletir sobre a ignorância, a manipulação, a ética, a ganância, a sobranceria. A ideia do louco Kenneth Marshall de que ao invadir um planeta, afirmar que os seus habitantes é que estão a mais é bastante representativa. Os conceitos que pensamos ter como adquiridos, talvez não estejam assim tão assegurados. As ideias insanas do extremismo estão cada vez mais presentes e são para levar a sério. Não precisamos de um filme para nos alertar para isto. Ou talvez não devêssemos precisar. As décadas de 30 e 40 do século passado não foram assim há tanto tempo, ou, por cá, a era do lápis azul durou até há menos tempo, mas a lembrança dorme profundamente e não vive muito tempo. O filme vem trazer este tipo de questionamento. Um dos maiores obstáculos ao conhecimento dos quais temos mais culpa é a preguiça. O filme pode ser visto como um ponto de partida para uma reflexão que se revela fundamental. O mote está dado, as questões foram levantadas, agora cabe-nos refletir. E agir.

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