Era Uma Vez o Western – O Western na Europa

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O Western na Europa

Na Europa os westerns sempre foram bastante apreciados pelo público europeu, no entanto nunca se produziram em grandes quantidades filmes neste género. Fritz Lang, o realizador alemão, fugiu da Alemanha Nazi e foi fazer filmes para Hollywood, tendo adaptado-se bastante bem ao sistema americano. Chegou a realizar pelo menos dois westerns, “O Regresso de Frank James” de Fritz Lang (1940) e “Conquistadores” (1941).

Nos anos 60, com a crise do western na América, os europeus começaram também a ficar fartos dos filmes vindos do outro lado do oceano atlântico, achavam os filmes clichés do passado. No entanto esse período de declínio nos EUA foi bom para um realizador italiano poder deixar a sua marca no género e no cinema. Estou a falar evidentemente de Sergio Leone, que é conhecido hoje pela sua singular visão do western. Leone adorava os westerns americanos e foi influenciado pelo seu grande mestre, John Ford. O estilo de Leone era inovador, visionário e realista, pois mostrava um velho oeste americano poeirento, sujo, com rostos mal-humorados, com barba por fazer e corrupto. Não era nada como os westerns americanos, românticos, alegres e gloriosos, Leone, sendo italiano, dava ao western um olhar europeu, mais crítico, realista e lúdico. Esta é a visão europeia do western, que ficou conhecida por “western spaghetti” (“western esparguete”), um nome que tornou-se popular até aos dias de hoje, apesar de ser um nome que “goza”, deteriora o cinema de Leone.

Os westerns de Leone foram produzidos em Itália e em Espanha, no Sul, mais especificamente em Almería, onde o cenário se assemelhava bastante ao Monument Valley. Almería foi cenário para centenas de westerns e ainda hoje existem as casas e ruas, que podem ser visitadas, que serviram de cenário para os filmes de Leone, como a “Trilogia dos Dólares”. Esta trilogia foi o começo da carreira de Leone no western, que começa com “Por um Punhado de Dólares” (1964), depois “Por Mais Alguns Dólares” (1965) e por último “O Bom, o Mau e o Vilão” (1966). Esta trilogia é baseada nas aventuras de caçadores de recompensas do velho oeste americano, que conta com Clint Eastwood como o protagonista, interpretando um homem sem nome, um pistoleiro com muita pontaria. O primeiro filme apesar de simples já mostrava bem o que esperar de Leone nos seus futuros filmes, “Por um Punhado de Dólares” foi baseado no filme “Yojimbo” (1961) de Akira Kurosawa. No segundo vemos já alguma evolução, quer na realização, quer no argumento e mesmo em Clint Eastwood. Em “Por Mais Alguns Dólares” Leone dá bastante uso ao flashback, que só voltaria a usar em “Era uma vez na América”. O terceiro filme, “O Bom, o Mau e o Vilão”, é o mais famoso da trilogia e um dos mais conhecidos da história do cinema, que já teve direito a várias paródias em diversos filmes, como por exemplo em “Balbúrdia no Oeste” (1974) de Mel Brooks. O trio é composto por Clint Eastwood como o “bom”, Lee Van Cleef como o “mau” e Eli Wallach como o “vilão”. Em “O Bom, o Mau e o Vilão” Leone aperfeiçoa bastante o seu estilo, o argumento é mais complexo e a produção é mais cara, veja-se por exemplo a cena em que decorre uma batalha da guerra civil americana, onde podemos ver o caos de homens desorientados e a morte. Nesta cena, Eastwood (o bom) e o seu companheiro Wallach (o vilão) atravessam o campo de batalha para fazerem explodir uma ponte, mas da primeira vez que a ponte explodiu nenhuma câmera estava a gravar, pelo que tiveram de reconstruir a ponte novamente e à segunda já ficou gravada a explosão. Claro está, isto só foi possível por haver bastante dinheiro envolvido na produção do filme. E nesta cena é possível ver o único lado da guerra, que é a morte, o terror e o caos, e Leone explora a morte em todos os seus filmes. Um bom exemplo é a cena do cemitério, em que Wallach corre pela imensidade do cemitério exaustivamente à procura do túmulo de Arch Stanton, que é onde está o dinheiro escondido. E daqui dirigimo-nos para a grande cena final do duelo, que é uma das cenas mais famosas do cinema, em que o trio se encontro mais uma vez e olhos nos olhos fazem o duelo final. O cinema de Leone é bastante violento, mas também tem momentos bastante dramáticos, como por exemplo a cena do campo de concentração onde estão centenas de prisioneiros, alguns são obrigados a tocar uma música para abafarem os pontapés e os gritos do “vilão”. É uma das cenas mais belas do filme e uma das mais chocantes também. Depois deste filme o público e a crítica passou a respeitar mais os filmes de Leone como uma forma de expressão artística. “O Bom, o Mau e o Vilão” é sem dúvida uma obra prima do cinema.

Era Uma Vez no Oeste 3

Depois do enorme sucesso da “trilogia dos dólares” Leone prepara-se para realizar mais um western, que viria a ser a sua apoteose e onde viria a explorar mais a natureza humana. “Era Uma Vez no Oeste” foi o filme que elevou o estilo de Leone ao extremo, à perfeição. O elenco é composto por grandes nomes do cinema americano, Charles Bronson, Henry Fonda, Jason Robards e por Claudia Cardinale. Os três primeiros actores são muito parecidos com o trio de “O Bom, o Mau e o Vilão”, em que neste caso o “bom” seria Charles Bronson, o “mau” seria Henry Fonda e Jason Robards seria o “vilão”. Há muitas semelhanças, apesar de as personagens serem diferentes, Bronson interpreta um cowboy assassino e Robards é um fora-da-lei romântico. A cena de abertura do filme, na estação do comboio, que dura dez minutos, é um clássico e caso de estudo pelos cineastas e escolas de cinema, que mostra tão bem o estilo leoniano. Ele parodia e brinca com a mosca que incomoda Jack Elam e com as gotas de água que caem no chapéu de Woody Strode. São dez minutos sem diálogos, só som, depois de o comboio partir ouvimos uma harmónica e um homem vestido todo de branco, era o “Harmónica” (Charles Bronson). É uma deliciosa cena, e o filme está repleto de cenas assim, como a cena em que o gangue de Frank (Henry Fonda) mata o harmónica (Brett McBain) e os seus três filhos; e uma das cenas finais, em que com o recurso a flashback, o harmónica se recorda de quando era mais novo e tinha o seu irmão nos ombros preso por uma corda para ser enforcado, Frank mete-lhe uma harmónica na boca, no momento em que o harmónica cai ao chão, em miúdo, ele dispara sobre Frank, já no presente. Mais uma vez a montagem prova ser muito importante, nesta sequência. “Era Uma Vez no Oeste” é um dos melhores filmes da história do cinema.

O seu último western foi “Aguenta-te Canalha”, em que Leone se vira para a revolução mexicana, mostrando o seu lado mais político e pessoal. Mais uma vez um magnifico filme, protagonizado por Juan Miranda e John Mallory, em que se cria o mito do herói, que salva o povo mexicano com uma revolução.

As características principais de Leone são o uso constante de “close ups” (grande planos) e de planos gerais, filmava espaços muito abertos, e cortava logo para uma cara, um grande plano. Usava também com bastante frequência a técnica do zoom, o que dava maior expectativa ao espectador e tornava-os mais dramáticos e intensos e usava travellings circulares. Depois há a montagem, que nos filmes de Leone é importantíssima, ele dava importância a todos os detalhes, e um dos melhores exemplos da importância da montagem é a cena do duelo final em “O Bom, o Mau e o Vilão”, onde se cria um jogo entre o grande plano e o plano de pormenor a grande velocidade. E por último a música, a banda sonora, que foi composta por Ennio Morricone em todos os filmes de Leone. A música de Morricone, nos filmes de Leone, é quase como uma personagem no filme. Leone disse uma vez “posso dizer que Ennio Morricone não é o meu músico. É o meu argumentista…”(1). Veja-se o exemplo de “Era Uma Vez no Oeste” em que sempre que a personagem Harmónica aparecia, a música tocada por uma harmónica. Aqui cada personagem tinha o seu tema musical. A música tinha tanta importância que podia ser o próprio elemento de uma acção, no caso da a cena do campo de concentração em que a música serve para abafar os gritos dos torturados. Leone consegue dizer muito mais com a música do que com o diálogo e por isso a usa bastante em todo o filme. Morricone compôs alguns dos maiores e mais belos temas musicais para o cinema, é um dos melhores compositores de cinema de sempre.

O western spaghetti tem uma característica particular que o diferencia de outro tipo de westerns, que é o uso frequente do grande plano. O grande plano, ou o rosto das pessoas é filmado continuamente, em qualquer personagem, não importa a sua dimensão. De todos os realizadores que conheço de westerns, Leone é o melhor deles todos a usar o grande plano. Ele não se limita a colocar a câmara de muito perto da cara do actor. Ele preocupa-se em escolher a pessoa indicada, com o rosto ideal, e não são rostos esteticamente “bonitos”, são rostos humanos, em que vemos as rugas, as covas, a pele velha, suada, a barba por fazer, as feridas na cara ou arranhões. Leone mostra assim o lado mais humano das pessoas.

Leone, o artista, foi o expoente máximo do tal “western spaghetti”, foi o único não americano que conseguiu fazer westerns, ao seu gosto, criando um estilo próprio e que teve um estrondoso sucesso em todo o mundo e que influenciou muitos filmes e realizadores posteriores.

Django 4

Mas outros realizadores italianos também conseguiram ter um lugar na história do cinema, como é o caso de Sergio Sollima, que se estreou no western em 1966 com “The Big Gundown” que lançou a carreira do actor americano Lee Van Cleef. O filme, que teve um enorme sucesso, teve claras influencias de Sergio Leone e de Sergio Corbucci. Este último também foi um importante realizador de westerns spaghettis, que realizou “Django” (1966), “O Grande Silêncio” (1968) e “Companheiros” (1970). Enzo Barboni foi outro realizador, que ficou conhecido mundialmente pela famosa série de filmes “Trinity” ou “Trinitá”, em português, depois do sucesso da dupla Bud Spencer e Terrence Hill no filme “Trinitá Cowboy Insolente” (1970), que teve direito a pelo menos mais três filmes.

 

1) Retirado do livro “Colecção Grandes Realizadores – Sergio Leone”, de Jean-baptiste Thoret, 4o volume, Cahiers du Cinema, Público, 2008.

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