A morte do Papa Francisco, na segunda-feira (21), não só comoveu o mundo como também reacendeu o fascínio por um dos rituais mais solenes e reservados da Igreja Católica: o conclave. Numa daquelas coincidências que parecem saídas de um argumento cinematográfico, o filme “Conclave” (2024), realizado por Edward Berger, estreara nas plataformas digitais apenas seis dias antes — e rapidamente se tornou um dos títulos mais vistos do momento.
Desde o falecimento do pontífice, o filme registou um aumento vertiginoso de audiência. Segundo a empresa Luminate, especializada na monitorização de dados de consumo digital, “Conclave” teve um crescimento de 283% no Prime Video, tornando-se o filme mais visto da plataforma.
O relatório da Luminate, resumido por Zack Sharf, da Variety, indica que, até ao dia 20 de Abril, a obra já acumulava 1,8 milhão de minutos visualizados. No final da segunda-feira, esse número ultrapassava já os 6,9 milhões.
A produção está disponível no catálogo da Amazon desde 16 de Abril, e estreou oficialmente nas salas de cinema a 23 do mesmo mês. Até ao momento, arrecadou cerca de 115,6 milhões de dólares em bilheteira. Também a recepção crítica foi expressiva: nos Óscares, “Conclave” recebeu oito nomeações e venceu na categoria de Melhor Argumento Adaptado.
O interesse pelo tema alastrou-se a outras plataformas. Na Netflix, o filme “Dois Papas” (2019), de Fernando Meirelles — que dramatiza o encontro entre Bento XVI e o então cardeal Jorge Mario Bergoglio — registou um aumento de 417% na audiência entre domingo e segunda-feira, com mais de 1,5 milhão de minutos visualizados.
Conclave
Baseado no livro homónimo de Robert Harris, publicado em 2016, “Conclave” começa com a morte do Papa, vítima de uma doença grave, que deixa o Vaticano num estado de luto e expectativa. Com a vacância do trono papal, o Cardeal Lawrence (Ralph Fiennes) é escolhido para coordenar o conclave — a tradicional e secreta cerimónia em que os cardeais se reúnem para eleger o novo Papa.
O filme foca não apenas na complexidade do processo eleitoral, mas também nas tensões subjacentes entre os cardeais. À medida que a eleição avança, Lawrence vê-se confrontado com uma série de desafios imprevistos. A dinâmica entre os candidatos é marcada por estratégias políticas, ambições pessoais e manipulações, tornando o processo ainda mais intricado. Enquanto tenta manter a neutralidade e a ordem, Lawrence começa a perceber que a própria essência do conclave está em jogo.
A situação toma um rumo inesperado quando Lawrence descobre um segredo devastador que envolve um dos cardeais mais influentes. Este segredo, potencialmente capaz de abalar as fundações da Igreja, coloca Lawrence numa posição moralmente complexa. Ao ter de decidir entre proteger a integridade do conclave e preservar o futuro da Igreja, ele enfrenta um dilema profundo que desafia as suas próprias crenças e ética.
A obra explora, assim, não só a tensão política e religiosa do momento, mas também a luta interna de um homem que, embora esteja em posição de poder, se vê imerso em dilemas que transcendem o simples jogo de liderança. O filme revela a fragilidade das instituições e como o poder, mesmo quando disfarçado de fé, pode ser corrompido pela necessidade de controlo e influência.
Dois Papas
Estrelado por Anthony Hopkins e Jonathan Pryce, que interpretam o Papa Bento XVI e o Papa Francisco, respetivamente, “Dois Papas”, realizado pelo brasileiro Fernando Meirelles, oferece uma interpretação imaginativa da história de uma das transições de poder mais dramáticas e significativas dos últimos 2.000 anos.
O filme, adaptado por Anthony McCarten a partir de sua obra homónima, centra-se na relação entre dois homens com visões opostas sobre o futuro da Igreja Católica, explorando como esses conflitos internos podem impactar a trajetória da fé de bilhões de pessoas.
Frustrado com a direção conservadora da Igreja e com a falta de mudanças, o Cardeal Jorge Mario Bergoglio, então arcebispo de Buenos Aires, pede ao Papa Bento XVI autorização para se reformar em 2012. O que deveria ser um pedido simples de reforma se transforma numa conversa profunda, em que, em vez de aceitar a saída do cardeal, o Papa Bento decide confrontá-lo. Ele vê em Bergoglio o seu maior crítico e futuro sucessor, e, num momento de vulnerabilidade, decide revelar-lhe um segredo pessoal e doloroso que poderá abalar as bases da Igreja Católica, mudando para sempre a forma como ela será vista por seus fiéis.
O segredo revelado por Bento XVI está relacionado com decisões que tomara durante seu papado, que geraram controvérsias e dificuldades em sua missão de liderar a Igreja em tempos de escândalos, como os casos de abuso sexual envolvendo clérigos e a perda de confiança da população católica em várias partes do mundo. Esse momento de revelação não só marca uma mudança no rumo da Igreja, mas também o começo de uma nova relação entre os dois cardeais.
Dentro das muralhas do Vaticano, inicia-se, então, uma luta de ideias entre tradição e progresso, culpa e perdão, que coloca frente a frente os princípios rígidos do Papa Bento XVI e a visão mais aberta e reformista de Bergoglio. Embora inicialmente afastados por suas diferenças ideológicas, os dois homens começam a confrontar os dilemas de seus passados, especialmente quando se trata das suas próprias falhas e da pressão que sentem como figuras religiosas de tamanha importância. Ao longo de conversas tensas e reveladoras, Bergoglio e Bento XVI tentam compreender um ao outro, procurando, no fim, uma visão comum que assegure o futuro da Igreja e da fé cristã.
O filme não se limita a ser uma dramatização sobre o poder e as disputas internas no Vaticano; é também uma reflexão profunda sobre a natureza humana, a fé e o perdão. Ele mostra como, mesmo em momentos de grande crise, é possível encontrar um terreno comum entre diferentes gerações e ideologias, quando se trata de buscar o bem-estar dos milhões de fiéis que olham para o Vaticano em busca de orientação e esperança.
Na 92ª edição dos Óscares, a produção foi nomeada nas categorias de Melhor Ator (Jonathan Pryce), Melhor Ator Secundário (Anthony Hopkins) e Melhor Argumento Adaptado (Anthony McCarten).