A semana começou com um escândalo envolvendo o filme de Zhang Yimou, “One Second”, que foi retirado da competição do festival por motivos que ainda não se conhecem bem. O filme estreava no festival na sexta-feira, mas já foi substituído por “Herói”, de 2002, que terá a função de reposição simbólica da obra do autor chinês. A explicação oficial, dada pelo festival, é a de que houve um problema técnico na pós-produção do filme e que não pôde ser finalizado a tempo. No entanto, algumas teorias publicadas em redes sociais contestam esta justificação e apontam o episódio como resultado de uma decisão política, com o governo chinês por detrás da sua retirada. O aguardado filme de Zhang Yimou era a segunda entrada da China na competição do festival, junto de “So Long, My Son”, de Wang Xiaoshuai.
Uma vez recuperados da notícia do filme chinês, encaramos duas entradas geladas vindas da Europa do norte: uma da Áustria, com o inanimado “The Ground Beneath My Feet”, e outra da Noruega, com a fábula incompreendida “Out Stealing Horses”. Mas a competição da Berlinale só veio a dar uma pequena aquecida com o crowd pleaser “God Exists, Her Name is Petrunya”.
O filme da Macedónia é um inesperado sucesso no festival, arrancando aplausos acalorados do público e da crítica e tornou-se, até ao momento, no favorito ao Urso de Ouro, a ser anunciado no próximo sábado.
A história gira em torno da solteirona e desempregada Petrunya. Um dia, voltando para casa de mais uma entrevista de emprego frustrada, ela depara-se com um ritual religioso popular na Macedónia conhecido por “Epifania”. O ponto alto do tal evento, que é anual, acontece quando o arcebispo da cidade atira uma cruz para dentro de um rio e o primeiro felizardo a encontrá-la é abençoado com um ano inteiro de graça divina.
O impasse é que só homens podem participar no ritual sagrado, mas como Petrunya não conhece as regras do jogo, ela atira-se ao rio com o grupo de homens descamisados e consegue agarrar a cruz antes de todos eles. Petrunya vê-se então envolvida numa espécie de processo kafkiano, sendo prontamente escoltada à delegacia da cidade e torna-se na peça central de um escândalo acompanhado por uma repórter da TV local. Por incrível que possa parecer, a história é verdadeira e foi onde a realizadora Teona Strugar Mitevska enxergou a premissa perfeita para contar a sua sátira de poder e de privilégios masculinos que corrompem a sociedade conservadora e religiosa da Macedónia.
Petrunya é um filme simpático, que cumpre todos os requisitos da agenda ultra feminista do festival, mas que peca por não se dar conta das suas próprias limitações, por vezes revelando-se ingénuo. Existe uma energia pulsante ali que é louvável, mas ao ambicionar ser uma sátira religiosa, uma crítica ao patriarcado e pelo meio varrer as teias do poder burocrático em que Petrunya se encontra encurralada, acaba por levantar várias questões para as quais não elabora nenhuma resposta; para depois arrumar tudo à pressa, num final esperançoso que soa demasiado forçado depois de tudo o que a personagem teve de passar.
Bem diferente é o enternecedor “A Tale of Three Sisters”, filme que começa com este mesmo tom de saga emancipatória do “Petrunya”, mas que acaba por tomar caminhos mais felizes. É o terceiro filme do turco Emin Alper. O realizador regressa ao festival depois do seu “Beyond the Hills” ter recebido uma menção especial para melhor primeira obra em 2012.
O conto das três irmãs se passa num vilarejo remoto perto de Anatolia, onde as três irmãs vivem com o pai e o marido da mais velha. Todas elas um dia foram enviadas à cidade para trabalhar como empregadas na casa de famílias mais abastadas na cidade, mas acabaram por regressar ao vilarejo onde vive o pai. A última a retornar, Nurhan, de 13 anos, foi trazida de volta pelo então patrão, por ter sido acusada de bater num dos filhos deste.
O filme começa por querer contar a história destas três irmãs, e os seus desejos, mas é nos homens que estão a volta delas onde vivem os momentos mais pujantes. Há uma cena belíssima, quando o marido da irmã mais velha, o analfabeto e caipira Veysel (impressionante Kayhan Açıkgöz), se junta a outros três homens, à beira da fogueira, para implorar a um deles que lhe arranje um emprego na cidade. É uma cena longuíssima, de uma comoção impressionante e que acaba por se tornar na peça central do filme. Vale lembrar que estas personagens todas, os homens da história, são apenas os seus coadjuvantes. E, então, o que começa como um discreto confronto de classes, escala para um desfecho catastrófico e nos deixa com o coração nas mãos, impotentes sobre o destino do pobre Veysel.
O filme estreou sem muito alarido no festival, mas é desde já a entrada mais interessante de uma competição sem grandes favoritos. Se sair de mãos a abanar do concurso, com certeza reservará algo para o seu conjunto de atores, e atrizes, todos impecavelmente fabulosos.