Entrevista: do “O Primeiro Verão” a “28½”, o regresso de Adriano Mendes

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Aconteceu em 2014, na secção Novíssimos onde foi nos apresentado um curioso filme intitulado deO Primeiro Verão”, um fruto de amores passageiros erguido com uma dedicação quase hercúlea por parte do seu assinante Adriano Mendes; realizador, argumentista, protagonista, editor, diretor de fotografia e responsável pela edição de som.

No ano seguinte, a produção concretizou uma estreia comercial, algo tímida diga-se por passagem. A partir daí, pouco ouvimos falar de Adriano Mendes. Por onde andava o árduo apaixonado por cinema?

A resposta surge quatro anos depois no mesmo espaço que o apresentou ao “mundo”. Mais maduro e com direito a lugar cativo e especial na programação da 17ª edição do Indielisboa, Adriano Mendes apresentará “28½”, esta sexta-feita (04/09, pelas 18h45 no Grande Auditório da Culturgest), uma invocação de uma juventude enganada por promessas e consequentemente disso, vivendo num impasse existencial. Ainda retornando a este universo, junta-se a atriz Anabela Caetano, a “menina” de admiração de O Primeiro Verão converte-se na jovem mulher que desejamos “resgatar”.

O Cinema Sétima Arte conversou com o realizador sobre o seu novo projeto, o regresso há muito solicitado e o processo criativo do mesmo.

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Adriano Mendes e Anabela Caetano em “O Primeiro Verão”

Com a ‘óbvia’ questão de “como surgiu/nasceu este projeto?”, gostaria de complementar, visto que “O Primeiro Verão” data de 2014, qual foi o seu paradeiro/projetos neste hiato de 6 anos? E tendo em conta que “O Primeiro Verão” foi duplamente premiado no IndieLisboa desse ano, que dificuldades enfrentou nesta sua passagem da primeira longa-metragem até à segunda?

A ideia base para o projeto28½” surgiu em 2014. De forma resumida, partiu da vontade de criar um filme na cidade, que explorasse o caminho para os trinta anos de idade e tendo presente a relação entre essa idade e uma geração mais nova. Foi sendo desenvolvido a partir de ideias com as quais me cruzei, coisas que vivi, outras que me contaram. E, a realidade, a ficção e o tempo permitiram edificar cada peça, num processo de muita paciência e perseverança.

Os dois filmes foram construídos com um enorme acumular de funções, em que estive sempre presente nas diferentes frentes. Isso fez com que os processos fossem morosos, mas em que a liberdade criativa é total.

Em paralelo, trabalhei como assistente de montagem de som no filme “Montanha” de João Salaviza e na pós-produção de som do documentário “Turno do Dia” de Pedro Florêncio. Para além disso trabalhei em videoclipes e vídeos institucionais.

Felizmente, este projeto teve apoio do ICA à finalização, que foi essencial para conseguirmos entrar em pós-produção. Todas as pessoas e instituições que colaboraram na pré-produção e produção fizeram-no de forma totalmente graciosa. A diferença entre o primeiro e o segundo filme é que, sobretudo para comunicar com as instituições que nos apoiaram, já tínhamos um filme para apresentar e isso ajudou a que a colaboração se concretizasse.

De resto, as dificuldades parecem sempre gigantes, desde a primeira curta-metragem que fiz quando era criança até esta segunda longa-metragem. Sinto a dificuldade como fator inerente ao processo criativo. A sobrevivência, essa sim, afasta-me às vezes desse centro criativo, mas tenho aceite cada passo com enorme gratidão.

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Sérgio Assunção e Anabela Caetano em “28½”

De “O Primeiro Verão” a “28½”, pude constatar, não só uma evolução técnica e criativa, mas como uma alteração na sua visão quanto ao percurso das suas personagens. Na sua primeira longa, existiu uma certa ingenuidade, otimismo e positivismo como lidava com o quotidiano, materializado num ‘amor de verão’. Aqui, há uma angústia constante, uma precariedade de sonhos, principalmente na protagonista desamparada que lida com uma juventude a passo de corrida. Sentiu essa mudança em si, no referido hiato de 6 anos?

Enquanto autor, a ideia para a construção de filme passa pela escolha de um caminho que me interessa explorar. Em “O Primeiro Verão” pretendi aceder ao momento da paixão. As personagens e os momentos foram criados em torno dessa viagem de início de uma relação entre duas pessoas que não se conhecem e que passam a ser íntimas. No “28½”, a escolha foi situar a personagem principal num momento da vida em que parece ser difícil agarrar-se verdadeiramente a alguma coisa. Um intervalo. Nenhum dos dois filmes são um espelho da minha vida, embora faça por conterem as minhas sensações e impressões do mundo, aquilo que me inquieta e que me interessa. Sendo um filme de autor, e tendo a vontade de me aproximar profundamente das pessoas/personagens, parece-me natural que se sinta uma ligação direta com a minha vida.

Quanto à Anabela Caetano, esta sua relação com a atriz e o processo de trabalho dela orientado pelo realizador. Comento que entre “O Primeiro Verão” e neste seu “28½” existe uma clara maturação de Anabela enquanto atriz, e mais evidente durante este filme.

No primeiro filme aprendemos muito sobre como pode funcionar a nossa dinâmica de trabalho. Nos dois projetos foi um processo muito colaborativo. Neste segundo filme decidi trabalhar outra energia da personagem, outra forma de estar na vida. A Anabela apropriou-se disso e tornou tangível.

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Anabela Caetano em “28½

Sobre o título “28½”, da minha parte senti uma espécie de alusão ao 8½, de Federico Fellini.

Para além da rima gráfica e fonética entre “” e “28½”, as ligações podem ser tantas como em qualquer outro par de filmes que, à partida, nada parecem ter em comum. O título surgiu no final da rodagem e depois de uma primeira montagem. Consciente do peso desta escolha, decidi arriscar por servir aquilo que nos pareceu justo para o título.

Como nasceu aquela sequência do comboio (experiências próprias, ideias, etc.) e porquê contextualizá-la no filme?

A cena emerge no filme como as coisas inesperadas nos aparecem na vida. A ideia base surgiu a partir de um conjunto de vivências próprias. A cena em si, foi uma construção muito morosa, muito trabalhada e debatida desde a fase de pré-produção até à mesa de montagem.

Gosto muito de me desafiar e de desafiar o espectador. A minha intenção não é ser politicamente correto, embora sinta que tenho alguns pilares éticos que me levaram a ter força para desenvolver a cena, tendo a consciência das portas que estou a abrir. Parece-me muito importante despertar, colocar questões, inquietar. No cinema, não pretendo dispor o mundo em gavetas. Essa sequência é representativa dessa vontade.

Nesta sua segunda longa-metragem, decidiu não ‘entrar’ enquanto ator.

Penso que nunca foi uma questão, foi claro e intuitivo dado o que se pretendia trabalhar e a forma como queria encarar o filme.

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Adriano Mendes

Como aborda o cinema português atual? Como este se prepara nos tempos austeros que se avizinha, segundo as premonições? Novos projetos e previsões para a carreira deste filme?

Em relação ao cinema feito em Portugal, gostava muito que fosse possível dar mais espaço ao cinema dito de autor. Tanto na educação cinematográfica, como na criação, na distribuição, etc. Gostava também que os concursos das entidades financiadoras e as entrelinhas estatais fossem mais abertos às diferentes formas de fazer cinema.

Previsões não tenho. Vamos continuar a trabalhar para que este filme possa ser visto. Neste momento temos um novo projeto a nascer e será esse o meu foco de trabalho nos próximos anos.

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