Uma piscina não é mais do que um quadrado fundo cheio de água. Mas os objetos têm vida lá dentro porque os seres humanos assim os construíram. Uma piscina consegue ser palco das maiores felicidades de miúdos e graúdos quando o calor chega e a praia não é assim tão apetecível, sítio de primeiros e últimos encontros, um pedaço de mobília requintado de quem está bem na vida. Pode também ser a responsável por uma morte. Aquele plano do corpo virado para baixo numa qualquer série criminal de domingo à tarde, é memória recorrente do nosso imaginário televisivo. Ou pode ser só o título de um filme que nunca chega a cumprir aquilo a que se propôs.
Em “Infinity Pool”, o terceiro filme de Brandon Cronenberg, filho do mestre de body horror, a piscina infinita pertence a um homem rico de uma ilha paradisíaca ficcional, La Tolqa, onde outros ricos, estrangeiros, passam férias, cercadas por arame farpado e todo o luxo a que o dinheiro lhes dá direito. James Foster (Alexander Skarsgard), um escritor falhado à procura de inspiração, é um desses privilegiados, juntamente com a mulher, que se arrastaram para estas férias. Gabi Baeur (Mia Goth, a nova musa do terror), sinistra e atraente britânica surge, com o marido em pano de fundo, para bajular o falhado escritor. De um piquenique fora do resort que acaba com um atropelamento a um jovem da ilha, passamos para uma travessia infantil de um grupo de abastados à procura da próxima ilegalidade que termina sempre da mesma fora: em liberdade, com o cadáver do seu clone morto. No primeiro acto do grupo, decidem assaltar a casa com a piscina infinita. É aí que entramos no caminho de purgação e autodescoberta sofrível rumo à violência que Cronenberg filho quer que tenhamos com os seus filmes.
Se “Possessor” traz uma assassina com problemas de consciência, “Infinity Pool” traz um escritor que cede ao hedonismo de colarinho, porque o seu falhanço na vida real não o deixa encontrar o verdadeiro eu. Se “Antiviral” era sobre uma indústria que criou um sistema em que os fãs sentem as doenças das celebridades, “Infinity Pool”, explora a impunidade viral, como um vício, uma doença que infecta ricos. Mas este filme, que chega numa altura em que Hollywood e a Europa se tem divertido a criticar quem mais tem (“White Lotus” ou “Triângulo da Tristeza” à cabeça), parece chegar atrasado à corrida e fica àquem daquilo que quer explorar. Brandon Cronenberg nunca nos consegue prender ao terror mental que quer imprimir.
Sim, o realizador canadiano gosta da ideia de não haver castigo para quem mais tem porque é mais realista, contrariando a tendência cinematográfica de castigar essa gente. Mas fica-se por aí. Em “Infinity Pool”, mesmo a impunidade a que James Foster se apega tem de ter uma justificação moral. Tem de haver sempre contexto, é uma chatice. Nunca é, por isso, gratuita, imoral, radical, como em “Funny Games” de Michael Haneke. Nem absurdamente divertida como em “Triângulo da Tristeza”. Quer ser séria, filmada como gente grande, uma sátira social para ser partilhada nas redes sociais com o carimbo de filme “com uma mensagem importante”. O realizador tenta que não seja assim, mas parece muito. Mesmo muito. Fazer mal por mal, que é assim que muitos nós gostamos de imaginar os mais ricos, é que não. E não é por usar máscaras assustadoras – porque há sempre um rosto para o mal – que aquela grupeta se torna mais maquiavélica.
Cronenberg Filho vem do cinema independente e parece querer ficar por lá, o que se saúda. É competente a nível visual e pode até já ter um pequeno universo próprio, mas “Infinity Pool”, que é o seu filme “mais adulto”, não convence. Funciona muito mais como mais uma rampa de lançamento para Mia Goth – rouba sempre a câmara em qualquer cena que entra e é especialmente eficaz quando persegue James Foster, no capô do carro. Aquela voz fina e irritante é de tirar horas de sono. Se o filme fosse sobre este grupo teria muito mais novidade lá dentro. Sendo sobre um escrito falhado que se alicia por uma realidade alternativa sem regras, torna-se aborrecido e datado. Não dá, por isso, muita vontade de entrar nesta piscina infinita, por mais sedutora que seja.


