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“Jeanne Du Barry” abre a 76.ª edição de Cannes a fazer muito barulho por nada

"Jeanne du Barry - A Favorita do Rei", da realizadora Maïwenn "Jeanne du Barry - A Favorita do Rei", da realizadora Maïwenn
"Jeanne du Barry - A Favorita do Rei", da realizadora Maïwenn

Envolto em controvérsias desde o seu anúncio em Abril, o filme de abertura de Cannes 2023, da realizadora Maïwenn estreia sem protestos na passadeira vermelha e com boa recepção da imprensa francesa, mas com uma indisfarçável sensação de algo requentado e embrulhado em papel de luxo.

Ao contrário do que normalmente se espera dos filmes de abertura de um festival, geralmente muito insosso e cuidadosamente programado para não ofender ninguém, o quinto filme da realizadora francesa Maïwenn fez o caminho contrário. Desde que foi anunciado em meados de abril pelo diretor artístico do festival,Thierry Fremaux, o filme tem gerado dezenas de manchetes negativas em torno de escândalos envolvendo a realizadora e a sua estrela principal, o ator americano Johnny Depp.

O filme marca o grande retorno ao grande ecrã para Depp, após o muito mediatizado julgamento por difamação envolvendo sua ex-esposa Amber Heard. É o primeiro papel de Depp no cinema desde Minamata, estreado na Berlinale em 2020. Desde então, o ator se envolveu em vários problemas com a justiça. Em março de 2021, ele perdeu um processo de difamação contra o tablóide The Sun por chamá-lo de “espancador de mulheres”. E depois, alguns meses mais tarde, ele acusou a ex-esposa Heard de difamação por um artigo de opinião em que ela alegou ter sido vítima de violência doméstica e o tribunal acabou por dar razão ao ator.

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No entanto, a maior parte das reações negativas parece ter se concentrado na realizadora Maiwenn. A francesa, que publicamente sempre teve uma postura muito crítica ao movimento #MeToo, foi muito criticada por ter escalado Depp para interpretar o rei francês Luís XV quando ele ainda estava no meio do julgamento contra Amber Heard. A escolha inusitada soou como provocação e Maïwenn virou o principal alvo dos ataques.

Desde então, as coisas só pioraram para Maïwenn. Semanas antes da estreia do filme, foi revelado que ela fora acusada de agredir o editor de um jornal online que publicou várias denúncias de agressões sexuais contra o seu ex-marido, Luc Besson. Edwy Plenel, o editor-chefe do jornal investigativo Mediapart, apresentou uma queixa à polícia francesa alegando que Maïwenn o agrediu em 22 de fevereiro enquanto ele jantava em um restaurante em Paris.

Na segunda-feira 15, um dia antes da abertura do festival e estreia de Jeanne Du Barry, fãs e apoiadores da atriz Amber Heard lançaram a hashtag #CannesYouNot condenando o festival e acusando-o de ter um “histórico de apoiar violadores”.

Esperava-se muita tensão na estreia do filme ontem à noite. No entanto, a cidade de Cannes proibiu protestos de qualquer natureza durante o festival para evitar distúrbios cívicos. A França foi tomada por protestos violentos contra a impopular reforma previdenciária de Macron, que aumentou a idade de aposentadoria do país desde o início de março, e por isso a proibição parece ter frustrado os possíveis protestos no tapete vermelho na abertura do festival.

No entanto, apesar de todo o ruído das últimas semanas, Depp parece ter saído fortalecido no meio de todo esse imbróglio. Quem o viu a dar autógrafos às multidões de fãs que se acotovelavam em frente ao Palais, e depois a ser ovacionado após a projeção do filme, custaria acreditar que este é o mesmo ator a provocar esta enxurrada de protestos no mundo virtual dos últimos dias.

Muito barulho por nada

Mas e o filme? “Jeanne du Barry” segue a vida de Jeanne Bécu, filha bastarda de uma costureira pobre em 1743 e que ascendeu à corte de Luís XV para se tornar uma das suas últimas amantes mais notórias. O filme faz uma crónica da ascensão e queda da cortesã que dá título ao filme e em como ela encantou a todos com sua beleza e audácia, abrindo caminho até o topo e frequentando a casa de vários nobres, como o Conde du Barry de Melvil Poupaud, até a corte do Rei Luís XV. O filme é lustroso na forma como explora o seu departamento de arte, recriando a Versailles do século XVIII em detalhes minuciosos e elaborando uma plástica de encher os olhos.

Maiwenn, aliás, disse que a inspiração para fazer o filme veio depois que assistiu “Marie Antoinette” de Sofia Coppola, mas talvez essa seja a única comparação que se possa fazer com o belíssimo filme de Coppola, que subverteu uma das biografias mais conhecidas da história da França e a transformou num dos filmes mais singulares da sua filmografia. Em “Jeanne Du Barry” tudo parece ter saído de um manual anacrónico e decadente sobre a típica fábula da plebeia e do príncipe encantado.
Talvez esta rigidez do filme seja o resultado do seu processo de filmagem, que dizem, foi um verdadeiro caos, devido às tensões e constantes brigas entre Maiwenn e Depp —que aparece no filme por não mais que 20 minutos.

De qualquer forma, os escândalos à volta de “Jeanne du Barry”, deliberadamente construídos ou não, para atrair discurso em torno da sua produção, ainda parece realmente ser a coisa menos aborrecida sobre esse filme anêmico e que sofre de um certo excesso de auto importância.