“Lúcia Cheia de Graça”, de Gianni Zanasi, é dos filmes que mais me desiludiu nos últimos tempos. Vi-o no âmbito da Festa do Cinema Italiano, com a esperança e entusiasmo que levo sempre para esse festival. A premissa, só de si, não nos diz em que sentido se vai desenvolver o filme. Lúcia (Alba Rohrwacher) é uma mãe solteira com uma filha adolescente que trabalha como topógrafa e num dos seus trabalhos repara que o terreno foi muito alterado desde as últimas medições; alguma coisa se passa. Por pressão do seu superior Paolo (Giuseppe Battiston), Lúcia acaba por deixar passar os erros. Essa situação não sai impune, já que ela passa a ter visões de Nossa Senhora, que lhe diz que ela deve impedir o projeto de seguir em frente para, em vez disso, ser construída uma igreja.
Pensei que estava perante um filme que poderia abordar temas bastante interessantes: a fé nos dias de hoje (fosse sob a forma de crítica ou de um ponto de vista solidário), a vida rápida e frenética dos dias de hoje, o que significa ser religioso (ou não ser) hoje em dia. Mas não. No início, o humor safou-se. Piadas com uma certa inteligência, uma referência ao “Interstellar”, ainda me ri, mas durante o decorrer da escrita do argumento do filme, literalmente todas as escolhas a partir da primeira meia hora foram erradas. Desde o aparecimento das visões a Lúcia que todas as tentativas de piada do filme falharam redondamente. Desde cenas de agressões entre Lúcia e Nossa Senhora e conversas sem nexo com o pai, o humor foi sempre básico, desprovido de qualquer sentido de inteligência; daquelas piadas adequadas a um filme para crianças de 8 anos, mas que precisava de ser bastante refinado quando se trata de um público-alvo adulto que tem prazer em utilizar o cérebro e pensar enquanto vê um filme. Afinal, uma comédia pode ser excelente e mesmo assim ter humor muito inteligente (tome-se o “Vice” como exemplo recente no meio de tantos possíveis).
Mas o humor falhado não foi a única coisa má do argumento. Chegada uma dada altura, nada do que aconteceu naquele ecrã fez sentido. Do nada surge uma storyline paralela referente à filha de Lúcia que até ao momento tinha sido apenas mais uma personagem secundária, que diz pouco mais de 10 palavras no filme todo; pensamos que essa história, com apenas duas ou três cenas, vai ter algum reflexo na história principal, mas tal não aconteceu. No final, as ações do ex-companheiro de Lúcia e de uma outra personagem quase figurante não têm qualquer nexo. O filme estava-se a tornar tão mau que dava vontade de rir, lembrando apenas o filme de culto “The Room” na onda do “tão mau que é bom”.
Um argumento já mau foi tornado num filme horrível pela esmagadora maioria dos aspetos técnicos, que foram absolutamente abomináveis. A edição deixou-me logo de pé atrás desde o início, com uma cena inicial editada de forma totalmente confusa e incompreensível, e foi piorando ao longo do filme, impondo sequências de cenas sem sentido, e tornando cenas já más absolutamente insuportáveis. Já vi, com toda a sinceridade, vídeos amadores com uma edição 100 vezes melhor. A banda sonora, ainda que tivesse algumas peças musicalmente boas, era totalmente desadequada ao filme, existindo inúmeras cenas em que mais parecia que tinha havido um erro no cinema e o som do filme tinha sido substituído por uma música aleatória.
Deixando o melhor para o fim, tenho de dar os meus sinceros parabéns ao diretor de fotografia Vladan Radovic, que fez um trabalho tão bom que conseguiu inserir uma fotografia de extrema qualidade num filme onde nada mais tem sucesso. Desde as cenas no campo com o sol a brilhar nos cabelos loiros de Lúcia e, principalmente, nos detalhes das cenas mais mundanas (como Lúcia numa biblioteca ou no meio do estendal cheio de lençóis brancos do pai), a fotografia foi uma constante tão boa ao longo do filme que quem entrasse na sala com tempo suficiente para ver apenas um instante do filme nunca desconfiaria do sofrimento de quem se encontrava lá dentro a aguentar o filme que se desenrolava.