“Se o verão não canta em ti, então nada canta em ti. E se nada canta em ti, então tu não podes fazer música.” É talvez a melhor frase para resumir o filme que a Netflix estreou recentemente em salas de cinema e em streaming quase simultaneamente.
“Maestro” é a grande produção da Netflix para o Natal. Bradley Cooper realiza e protagoniza a personagem do icónico maestro norte americano Leonard Bernstein, Carey Mulligan como a atriz Felicia Montealegre e mãos de Martin Scorsese e Steven Spielberg na produção. Receita perfeita para um grande candidato aos Óscares.
Mais que um biopic “Maestro” é uma história de amor bem contada. A história segue a história de amor deles desde o primeiro encontro no início dos anos 1950 até a vida de Bernstein na década de 1990, em particular a morte da sua companheira. Grande parte dos dois primeiros atos de “Maestro” remetem a uma nostalgia que é imediatamente confortável para os fãs da Velha Hollywood. Presente em todos os lugares, desde a cinematografia cintilante até a integração sorrateira de uma sequência de ballet extraída diretamente de musicais de meados do século XX, como “Singin’ in the Rain” e “An American in Paris”. A sequência coreografada é lindamente executada e liderada com carisma por Carey Mulligan. A cada trabalho que passa, Cooper vai ganhando confiança como realizador e tem crescido. Embora as configurações não sejam verdadeiramente inventivas, a sua realização fácil remonta aos cineastas independentes da década de 1970. Cooper sente-se perfeitamente confortável em deixar a câmera rolar e deixar os actores fazerem o que têm que fazer. É quase teatral em alguns lugares, mas, em última análise, “Maestro” é sobre humanidade.
Há uma tendência mais clara nos filmes biopic, de vasculhar as biografias publicadas e fazer um escrútinio exagerado com tudo o que os realizadores e argumentistas omitiram em determinado momento. É um péssimo hábito crítico, mas a tentação de fazê-lo responde a um sentimento, à sensação de que muitos desses filmes suavizam ou filtram realidades apaixonantes, polémicas que não se enquadram nos modelos sentimentais de Hollywood. É a sensação de que as pessoas famosas no centro de um filme são muito mais complicadas e têm relações muito mais conflituosas com o seu tempo e os seus pares do que os filmes populares tendem a deixar transparecer. Quando faltam as emoções dos personagens, é natural buscar as circunstâncias práticas que as originaram. O perigo de ceder a esse sentimento é que se gasta mais tempo e esforço pensando sobre o que um filme não é do que confrontando o que ele é.
Por mais que “Maestro” seja sobre a centralidade da vida e a carreira de Bernstein, o tratamento empático que dispensa a Felicia também levanta a questão do custo de amá-lo, de amar alguém com uma aura tão absorvente e um ego que vai insuflando com as suas conquistas profissionais e de carreira. O que alguém deve sacrificar para alcançar uma vida partilhada com alguém no topo da montanha mais alta, e alguém pode sobreviver a tal relacionamento sem que isso quebre o seu espírito e a sua vontade. Mulligan é totalmente magnética no papel, os monólogos não dão ao público outra escolha a não ser se agarrar a cada palavra dela. De certa forma, vemos Bernstein através dos olhos dela, ao testemunhar tanto os seus talentos incomparáveis quanto a maneira como eles consomem tudo no caminho. Quando Bernstein está numa sala, há pouco espaço para mais ninguém, e a sua energia é tão irreprimível que aqueles ao redor não têm escolha a não ser ceder aos seus caprichos impulsivos.
“Maestro” é sem dúvida um drama construído para ser uma pesca à linha nos Oscares, mas ao mesmo tempo difícil negar a sua habilidade para eleva-lo acima de muitos outros filmes do género. Tarefa que tem sido facilitada pela falta de ideias e originalidade que Hollywood atravessa no meio do campo das sequelas, prequelas, spin-offs e adaptações.
O filme luta consigo próprio, com algumas escolhas aparentemente feitas no encaixe da duração de cerca de duas horas. Há menos músico Bernstein do que esperado. Excepção à sua primeira regência em 1943 e à performance de “Ressurreição” em 1973, os seus triunfos profissionais ocorrem principalmente fora de cena para que o filme possa concentrar-se no seu casamento em ruínas e nos namoros/casos com vários homens. “Maestro” não é um retrato completo de Bernstein mas poderia sê-lo? O homem viveu uma vida extraordinariamente plena e rica. O filme defende o ponto de que Bernstein era um amante tão voraz da vida que os seus apetites não podiam ser contidos. Por amor, por sexo, pela companhia de outras pessoas e principalmente pela música.


