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“Mickey 17” – Homens para queimar, cinema para reciclar

"Mickey 17" (2025), de Bong Joon Ho "Mickey 17" (2025), de Bong Joon Ho
"Mickey 17" (2025), de Bong Joon Ho

“They were expendable”, assim reza o título do filme do John Ford, realizado há precisamente 80 anos. Isso mesmo, no ano do fim da 2.ª Guerra Mundial. O que isto tem a ver com “Mickey 17”? Isso. Rigorosamente nada. Mesmo que à personagem de Robert Pattinson diga bastante, pois é esse o seu destino, a reciclagem. Então e o filme é bom? Not.

Compreende-se a necessidade de filmes comerciais (e com buzz) nos festivais. Depois da presença de Timothée Chalamet, eis que Robert Pattinson garantiu o bruá dos fãs e em redor da Berlinale. Só que o coreano Bong Joon-Ho não criou apenas um Mickey/Pattinson. Mesmo que a sua personagem seja a de um pateta simplório. Imagine-se então 17! Ou melhor 18. Mas já lá vamos. Mesmo que o romance de ficção científica de Edward Ashton, que dá origem ao guião adaptado, o tenha definido para esta estreia que promete fazer sensação, em formato IMAX, já a partir de dia 6, num cinema perto de si.

Sim, voltamos aos pecados do capitalismo e a um mundo que cessou de digerir todo o mal feito e se tornou inabitável. Percebe-se a filiação de Bong pelo universo de um futuro inventivo, como nos convenceu em “Snowpiercer” (2013) e até em “Okja” (2017), o filme que pôs o Festival de Cannes a debater a legitimidade de um filme da Netflix na sua competição oficial. Claro que isso já foi há muitos anos. Hoje o mundo é diferente.

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É aí que ganha corpo a peregrina ideia de habitar um novo planeta – Niflheim.

Assim se gera a expedição que levará uma nova comunidade de seres humanos prontos a povoar, promovida pelo magnata timoneiro, Kenneth Marshall, em que Mark Ruffalo se entretém a fazer uma reciclagem conjunta entre Trump e Musk. E, diga.se, sai-se bem nos esgares. Pormenor, Pattinson (ou seja, Mickey) esqueceu-se de ler o contrato e aceitou ser um expendable / descartável / reciclável. Um efeito produzido graças a uma impressão biológica que permite reunir e reintegrar os elementos biológicos (memória acompanhada) do ser. E como se adivinha, várias vezes será o Mickey devolvido a sucessivas ‘impressões’. Depois de ser devidamente incinerado, claro. Isto até um bug produzir um outro, a versão número 18, mais agressivo e que com ele viverá uma boa parte do filme. Mas mais para criar todas as situações em redor desse efeito de réplica, do que propriamente para conferir um significado especial a esta grande produção da Warner orçada em 150 milhões.

Pena é que semelhante dispositivo esteja apenas disponível para este sacrificado, e não a um número alargado de indivíduos, de modo a almejar um futuro interminável para a humanidade. Não é esse o propósito do filme. A ideia que fica vincada é a de expansão, como num western de ficção científica. Não de John Ford, claro. E lá estão até as criaturas fofas, tão próximas de Okja, ainda que se pareçam também um misto de búfalos na pradaria e uma variante de escaravelho fofo para a cena final de ataque a essas criaturas expulsando-as da sua terra. Do seu planeta.

Claro que o filme é visualmente exuberante, mesmo que não nos ofereça nada de novo. Aliás, não se esperava nada menos de Joon-Ho. O problema é que o filme não devolve todo esse investimento em ideias, ficando entalado nessa reciclagem de um pobre Mickey engasgado entre sucessivas vidas. E sem conseguir responder à magna pergunta que todos lhe fazem: então e como é morrer?

O que fazer desta vontade de clonar ou reciclar personagens e figuras no ecrã, mesmo com um dedo tímido apontado à voracidade do capitalismo? A solução mais compensadora será (porque não?) voltar a Ford. E ao destino marcado de um esquadrão de fuzileiros no pacífico, a bordo de lanchas rápidas, na ressaca imediato ao ataque a Pearl Harbour.